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A Lei
Talvez se pudesse considerar liberdade de comércio? (Mas todos
sabem — e os que advogam o protecionismo já o mostraram à socieda-
de — que um homem se arruína quando comercia livremente e que,
para enriquecer, ele precisa comerciar sem liberdade.)
Possivelmente então seria liberdade de associação? (Mas de acor-
do com a doutrina socialista, a verdadeira liberdade e a associação se
excluem mutuamente, já que, precisamente, não se aspira a arrebatar
aos homens sua liberdade, a não ser para forçá-los a se associarem.)
Bem se vê que os social-democratas não podem permitir aos homens
nenhuma liberdade, pois acreditam que a natureza humana, a menos
que os senhores socialistas intervenham para pôr ordem em tudo, tende
sempre para alguma espécie de degradação e desordem moral.
Esta linha de pensamento nos leva a uma questão desafiadora, a
saber; se os povos são tão incapazes, tão imorais e tão ignorantes como
indicam os políticos, então por que o direito de votar desses povos é
defendido com tão apaixonada insistência?
A
ideiA
do
Super
-
homem
As pretensões dos organizadores da humanidade dão lugar a outra
pergunta, que, com frequência, lhes tenho feito e à qual, pelo que sei,
nunca foi dada resposta. Assim, se as tendências naturais da humanida-
de são tão más que se deve privá-la da liberdade, como se explica que as
tendências dos organizadores possam ser boas? Por acaso os legisladores
e seus agentes não fazem parte do gênero humano? Será que se julgam
feitos de barro diferente daquele que serviu para formar o resto da huma-
nidade? Dizem que a sociedade, abandonada à sua própria sorte, corre
fatalmente para o abismo, porque seus instintos são perversos. Preten-
dem detê-la nesta corrida, imprimindo-lhe nova direção. Eles receberam
então do céu inteligência e virtudes que os colocam fora e acima da hu-
manidade. Que nos mostrem seus títulos! Querem ser pastores, querem
que sejamos rebanho. Este arranjo pressupõe neles uma superioridade de
natureza, para a qual temos o direito de previamente exigir provas.
o
S
SociAliStAS
rejeitAm
A
eleição
livre
Note-se que o que contesto neles não é o direito de inventarem
combinações sociais, de propagá-las, de aconselhá-las e de experimen-
tá-las neles mesmos, por sua própria conta e risco.
O que discuto é o direito de nos imporem tudo isso por meio da
lei, ou seja, da força, obrigando-nos a pagar isso com nossos impostos.
50
Frédéric Bastiat
Eu não peço que os sustentadores dessas várias escolas sociais de pen-
samento — os cabetistas, os fourieristas, os proudhonianos, os universi-
taristas e os protecionistas — renunciem a suas ideias particulares. Peço
somente que renunciem à ideia que têm em comum de nos submeter pela
força a seus grupos e séries, a seus projetos socializados, a seus livres crédi-
tos bancários, a seu conceito de moral greco-romana e suas regras comer-
ciais. Eu só peço que nos seja permitido decidir sobre esses planos por nós
mesmos; que não sejamos forçados a aceitá-los, direta ou indiretamente,
se julgarmos que ferem nossos interesses ou repugnam nossa consciência.
Mas estes organizadores desejam ter acesso aos impostos e ao po-
der da lei, a fim de levar a cabo seus planos. Além de ser opressor e
injusto, este objetivo implica a suposição fatal de que o organizador é
infalível e o resto da humanidade incompetente. Porém, se as pessoas
são incompetentes para julgar a si próprias, então por que todas estas
considerações sobre o sufrágio universal?
c
AuSAS
dA
revolução
nA
f
rAnçA
Essa contradição nas ideias reproduziu-se, infelizmente, na reali-
dade dos fatos na França.
E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros
na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias polí-
ticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governa-
do, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a
imposições e mais explorado de toda a Europa.
A França também supera as demais nações quanto ao fato de suas
revoluções serem mais iminentes. E é natural que assim o seja.
E este será sempre o caso, enquanto nossos políticos continuarem
a aceitar a ideia que foi tão bem expressa pelo Senhor Louis Blanc:
“A sociedade recebe impulso do poder público.” Este será o caso,
enquanto os seres humanos se considerarem a si mesmos como sensí-
veis, mas passivos, incapazes de melhorar, por inteligência própria e
por energia própria, sua prosperidade e sua felicidade, permanecendo
reduzidos a esperar tudo da lei. Em uma palavra, enquanto os ho-
mens imaginarem que sua relação com o estado é a mesma que existe
entre o pastor e seu rebanho, tudo permanecerá como está.
o
imenSo
poder
do
governo
Enquanto tais ideias prevalecerem, é claro que a responsabilidade
do governo é imensa.
51
A Lei
Os bens e os males, as virtudes e os vícios, a igualdade e a desi-
gualdade, a opulência e a miséria, tudo emana do governo. Ele se
encarrega de tudo, mantém tudo, faz tudo, logo, é responsável por
tudo. Se somos felizes, certamente reclama nosso reconhecimento
com todo direito. Mas se nos encontramos na miséria, só pode-
remos acusá-lo de ser o responsável. Por acaso não dispõe ele de
nossas pessoas e de nossos bens? Por acaso a lei não é onipotente?
Ao criar o monopólio da educação, o governo deu-se obrigação de
corresponder às esperanças dos pais de famílias, que foram privados
então de sua liberdade. E se essas esperanças não foram correspon-
didas, de quem é a culpa?
Ao regulamentar a indústria, o governo deu-se a responsabilida-
de de fazê-la prosperar, pois, em caso contrário, teria sido absurdo
privar a indústria de sua liberdade. E se por causa disso ela sofre
prejuízos, de quem é a culpa?
Ao ter ingerência na balança comercial, interferindo nos preços,
o governo deu-se a obrigação de fazer florescer o comércio. E se, em
vez de florescer, o comércio morre, de quem é a culpa?
Ao conceder à indústria naval sua proteção em troca de sua liber-
dade, o governo deu-se a obrigação de tornar esse negócio lucrativo.
Mas se, ao invés, se torna deficitário, de quem é a culpa?
Assim, não há um só dever na nação que não seja responsabili-
dade tomada pelo governo voluntariamente. Será então surpresa se
cada sofrimento for uma causa de revolução na França?
E que remédio se propõe para esse mal? Aumentar indefinida-
mente o poder da lei, ou seja, a responsabilidade do governo?
Mas se o governo toma a seu encargo o aumento e a regulamen-
tação dos salários e não consegue fazê-lo; se se encarrega de asse-
gurar aposentadoria a todos os trabalhadores e não pode fazê-lo;
se se encarrega de fornecer a todos os operários instrumentos de
trabalho e não o consegue; se se encarrega de abrir créditos para
todos os que estão ávidos de empréstimo, um crédito gratuito, e
não o consegue; se, de acordo com as palavras que com sentimento
vimos brotar da pena de Lamartine, “o estado chama a si a missão
de iluminar, desenvolver, engrandecer, fortificar, espiritualizar e
santificar a alma do povo” e fracassa, por acaso não se vê que, ao
final de cada decepção, infelizmente, é mais do que provável que
uma revolução seja inevitável?
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