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Frédéric Bastiat
p
olÍticA
e
economiA
(Agora vamos voltar a um assunto que foi sucintamente discutido
nas páginas iniciais deste estudo: a relação entre economia e política
— a Economia Política.)
A ciência econômica deve ser desenvolvida antes de a ciência po-
lítica ser logicamente formulada. Essencialmente, a economia é a ci-
ência que determina se os interesses dos homens são harmônicos ou
antagônicos. Isto deve ser conhecido antes de a ciência política fixar
as atribuições do governo.
Seguindo imediatamente o desenvolvimento da ciência econômi-
ca, e bem no começo da formulação da ciência política, esta impor-
tantíssima questão deve ser respondida: O que é a lei? O que deve ela
ser? Qual o seu âmbito? Quais são seus limites? Onde terminam, por
conseguinte, as atribuições do legislador?
Eu não hesitaria em responder: A lei é a força comum organizada
para agir como obstáculo à injustiça. Em suma A LEI É A JUSTIÇA.
A
legÍtimA
função
dA
legiSlAção
Não é verdade que o legislador tenha poder absoluto sobre nossas
pessoas e nossas propriedades, pois estas existem antes do legislador e
a tarefa da lei é a de dar-lhes garantias.
Não é verdade que a função da lei seja reger nossas consciências,
nossas ideias, nossas vontades, nossa educação, nossos sentimen-
tos, nosso trabalho, nosso comércio, nossos talentos ou nossos pra-
zeres. A função da lei é proteger o livre exercício destes direitos
e impedir que qualquer pessoa possa impedir qualquer cidadão de
usufruir desses direitos.
A lei, devido ao fato de ter por sanção necessária a força, não
pode ter outro âmbito legítimo que o legítimo âmbito da força, ou
seja, a justiça.
E como todo indivíduo só tem direito de recorrer à força no caso
de legítima defesa, a força coletiva, que não é outra coisa senão a reu-
nião das forças individuais, não poderia ser aplicada racionalmente
para outra finalidade.
A lei é, pois, unicamente a organização do pré-existente direito
individual de legítima defesa. A lei é a justiça.
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A Lei
l
ei
e
cAridAde
não
São
A
meSmA
coiSA
A missão da lei não é oprimir pessoas ou despojá-las de suas pro-
priedades, ainda que seja para fins filantrópicos. Seu objetivo é pro-
teger as pessoas e a propriedade.
Além disso, não se deve afirmar que a lei pode ser pelo menos filan-
trópica, desde que se abstenha de toda opressão e de toda espoliação.
Isto é contraditório. A lei não pode deixar de atuar sobre as pessoas e
a propriedade. E se a lei atua de muitas maneiras, exceto protegendo
as pessoas e a propriedade, então sua ação viola necessariamente a
liberdade das pessoas e o seu direito de possuir.
A lei é a justiça. Isto é simples, claro, perfeitamente definido e
delimitado, acessível a qualquer inteligência, visível a todos os olhos,
pois a justiça é uma quantidade mensurável, imutável e inalterável,
que não admite nem mais nem menos.
Se se extrapolam esses limites, se se tenta fazer a lei religiosa, fra-
ternal, igualitária, filantrópica, industrial, literária, artística, logo se
atingirá o infinito, o desconhecido, a utopia imposta ou, o que é pior,
uma infinidade de utopias, que lutam para apoderar-se da lei com o
objetivo de a impor. Isto é verdade, porque a fraternidade e a filantro-
pia, ao contrário da justiça, não precisam ter limites fixos. Uma vez
iniciadas, onde parar? E onde parará a lei?
c
Aminho
direto
pArA
o
comuniSmo
O Senhor de Saint-Cricq faria sua filantropia somente para algu-
mas classes de industriais e pediria à lei para controlar os consumidores,
a fim de beneficiar os produtores.
O Senhor Considérant esposaria a causa dos trabalhadores e usaria a
lei para assegurar-lhes o MÍNIMO, seja no tocante a roupas, moradia e alimen-
to, seja no tocante a toda e qualquer outra coisa necessária à manutenção da vida.
O Senhor Louis Blanc diria — e com propriedade — que esse MÍ-
NIMO é simplesmente um esboço de fraternidade e que a lei deve dar
a todos os instrumentos necessários ao trabalho e, também, educação.
Outra pessoa observaria que estas providências ainda deixariam
campo para a instalação da desigualdade e que a lei deve fazer chegar
às aldeias mais remotas o luxo, a literatura e as artes.
Todos esses propósitos são o caminho direto para o comunismo, ou
melhor, a lei será... O que já é: o campo de batalha de todos os sonhos
e de todos os desejos imoderados.
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Frédéric Bastiat
A
bASe
pArA
um
governo
eStável
A lei é a justiça. Dentro deste princípio se pode conceber um go-
verno simples e duradouro.
E eu desafio qualquer um a dizer de onde poderia sair a ideia de
uma revolução, insurreição ou simples motim, contra uma força pú-
blica limitada a reprimir a injustiça.
Sob tal regime, haveria mais prosperidade e esta seria mais igual-
mente repartida. E quanto aos sofrimentos, que são inseparáveis da
humanidade, a ninguém ocorreria culpar o governo por causa deles,
pois o governo é tão inocente com relação a esses sofrimentos quanto
o é com relação às variações de temperatura.
Como prova de tal afirmação, considere-se esta pergunta: “Já se
viu algum povo revoltar-se contra o Supremo Tribunal ou irromper
pelo Tribunal do Juiz de Paz adentro para reclamar por um salário
mínimo, pelo crédito livre, por instrumentos de trabalho, por preços
compatíveis ou por oportunidades de trabalho?” Todo mundo sabe
muito bem que tais coisas não são da alçada do Supremo Tribunal ou
do Juiz de Paz, e também sabe que estão fora do poder da lei.
Mas façam-se leis baseadas no princípio da fraternidade, procla-
mando que dela emanam os bens e os males, que é responsável por
toda a desigualdade social, e se verá abrir a porta para uma interminá-
vel série de queixas, ódios, transtornos e revoluções.
j
uStiçA
SignificA
iguAldAde
de
direitoS
A lei é a justiça. E seria estranho se a lei pudesse ser outra coisa
mais! Por acaso a justiça não é o direito? Será que os direitos não são
iguais? Como a lei interviria para me submeter aos planos sociais dos
Srs. de Mimerel, Melun, Thiers, Louis Blanc, em vez de submeter es-
ses senhores aos meus planos? Pensa-se que eu não recebi da natureza
a suficiente imaginação para inventar também uma utopia? Será que
é papel da lei escolher uma fantasia dentre tantas, colocando a força
pública a serviço de uma delas?
A lei é a justiça. E que não se diga, como vai acontecer, que, con-
cebida desta maneira, a lei seria atéia, individualista e sem coração;
que acabaria transformando a humanidade à sua imagem e seme-
lhança. Isso é uma dedução absurda, muito digna do entusiasmo
por tudo o que emana do governo e que leva a humanidade a crer
na onipotência da lei.
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