14 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
Prefácio
Ana Maria Bianchi e Flávia Ávila
Este guia foi concebido para introduzir o leitor brasileiro à vasta temática da Economia Comporta-
mental e Experimental. Foram aqui reunidos artigos e depoimentos de pesquisadores mundialmente
conhecidos por sua contribuição para a área, que adquiriu grande destaque na literatura econômi-
ca nos últimos anos do século XX. Um sinal claro dessa projeção é a atribuição recente de prêmios
Nobel de economia aos pesquisadores que militam em Economia Comportamental e Experimental.
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A área, contudo, ainda está engatinhando no Brasil, e divulgá-la aos interessados é justamente a
motivação deste guia. O critério adotado para a seleção dos textos aqui reunidos foi, além da exce-
lência e do prestígio de seus autores, seu caráter introdutório. O trabalho de edição que resultou na
definição das partes e na escolha dos capítulos que se seguem teve o cuidado de reunir textos aces-
síveis ao leitor interessado, que tenha como objetivo começar a inteirar-se da temática abordada.
Um segundo critério de seleção de artigos foi o fato de tratarem dos vários temas pertinentes
à área, e de abrigarem uma pluralidade de perspectivas. As organizadoras buscaram fornecer ao
leitor brasileiro um vasto panorama da pesquisa que vêm sendo produzida no campo da Economia
Comportamental e Experimental, com o cuidado de evitar o tom monolítico. A pluralidade de pontos
de vista é característica fundamental da pesquisa na área, por ser nova e por representar o ponto
de encontro de pesquisadores de várias disciplinas científicas, e não poderia ser desconsiderada na
organização de um guia.
Como será melhor discutido à frente, a Economia Comportamental é um campo de pesquisas
relativamente recente, proveniente da incorporação, pela economia, de desenvolvimentos teóricos e
descobertas empíricas no campo da psicologia. A esses se somaram, mais recentemente, as contri-
buições da neurociência e de outras ciências humanas e sociais. Parte-se de uma crítica à abordagem
econômica tradicional, apoiada na concepção do “homo economicus”, que é descrito como um to-
mador de decisão racional, ponderado, centrado no interesse pessoal e com capacidade ilimitada de
processar informações. Essa abordagem tradicional, que hoje tende a persistir apenas como padrão
normativo, considera que o mercado ou o próprio processo de convergência ao equilíbrio são capa-
zes de solucionar erros de decisão decorrentes de uma racionalidade limitada.
Em contraposição a essa visão tradicional, a Economia Comportamental enxerga uma realidade
formada por pessoas que decidem com base em hábitos, experiências pessoais e regras práticas
simplificadas; aceitam soluções apenas satisfatórias; tomam decisões rapidamente; têm dificuldade
de conciliar interesses de curto e longo prazo; e são fortemente influenciadas por fatores emocionais
e pelas decisões daqueles com os quais interagem. Na busca de um maior realismo no entendimento
das escolhas individuais e dos processos de mercado em que se manifestam, os economistas com-
portamentais tentam incorporar a seus modelos um conjunto heterogêneo de fatores de natureza
psicológica e de ordem emocional, conscientes ou inconscientes, que afetam o ser humano de carne
e osso em suas escolhas diárias.
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Em ordem cronológica, os p rêmios Nobel foram atribuídos a Daniel Kahneman (2002), Vernon Smith (2002) e Robert Shiller
(2013). Antes disso, o prêmio havia sido concedido a Herbert Simon (1978) e Amartya Sen (1998), notáveis precursores da área.
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A ferramenta mais utilizada pelos economistas comportamentais em sua investigação empírica
é, sem dúvida, o método experimental. É preciso mencionar que a possibilidade de aplicação desse
método nas ciências sociais foi severamente questionada por autores clássicos como John Stuart
Mill e Milton Friedman. Na última metade do século XX, o método foi aos poucos conquistando o
reconhecimento dos economistas, que passaram a valorizar sua instrumentalidade no teste empírico
de padrões de respostas a estímulos externos. Por exemplo, economistas experimentais passaram a
analisar, em condições próximas às de um laboratório, como os humanos se comportam ao repartir
uma quantia de dinheiro com parceiros anônimos. Foram assim capazes de detectar uma série de
“anomalias” da conduta humana, ou seja, respostas incomuns, não esperadas, que não encontravam
abrigo nas classificações convencionais. Mais recentemente, os experimentos saíram do laboratório
e passaram a ser implementados no próprio campo, com o objetivo de reproduzir mais fielmente as
condições vigentes no mundo real. Mostraram-se, com isso, ferramentas úteis na implementação de
políticas públicas mais adequadas à realidade social.
Depois dessa breve introdução
à temática geral e aos critérios adotados na seleção de textos,
discorreremos de forma breve sobre o conteúdo das partes que este guia abrange e dos capítulos
que o integram.
No capítulo introdutório, Dan Ariely traz à tona, para o leitor leigo, as concepções centrais da
área. Pesquisador hoje internacionalmente conhecido por suas contribuições à Economia Compor-
tamental, Ariely tem desempenhado um papel importante em sua divulgação para o grande público.
Ele define a crença na racionalidade e no mercado como pontos cegos, e propõe a Economia Com-
portamental como “um exercício de desenho e humildade”. Sejam quais forem nossas deficiências
como tomadores de decisão, conclui, reconhecê-las é crucial para orientar decisões, criar sociedades
melhores e consertar nossas instituições.
A Parte I do guia é dedicada a uma introdução geral à área, seus principais conceitos e metodo-
logias. Alain Samson é o autor dessa parte, que foi publicada originalmente nos guias em inglês “The
Behavioral Economics Guide 2014” e “The Behavioral Economics Guide 2015”.
A Parte II deste guia é voltada para a teoria e prática da Economia Comportamental e Experi-
mental. Seus capítulos expõem diferentes perspectivas dos temas abordados pela pesquisa na área,
escritos por pesquisadores internacionais de renome.
O artigo de Chris Starmer dá um panorama das pesquisas na área realizadas nas últimas
décadas,
com foco em escolha individual e risco. Assim, sugere um conjunto de lições que podem ser retiradas
dos seus estudos e orientar o trabalho do economista nos dias atuais. Entre outros, destaca que a
Economia Comportamental pode nos levar a pensar de maneira diferente sobre as qualidades que
definem uma boa teoria. Embora haja espaço para teorias simples e elegantes, como a teoria da
utilidade esperada, a busca de teorias com melhor capacidade descritiva requer a consideração dos
múltiplos fatores que explicam os fenômenos, inclusive sua dependência de contexto.
Um tema favorito da pesquisa contemporânea em Economia Comportamental é a escolha in-
tertemporal, objeto de dois capítulos da Parte II, sendo o primeiro deles elaborado por Scott Rick e
George Loewenstein. Os autores definem a escolha intertemporal como o equilíbrio entre dois con-
juntos de fatores afetivos: emoções imediatas para ações baseadas em custos e benefícios imediatos,
de um lado, e emoções experimentadas como resultado da consideração sobre as consequências
potenciais futuras de tais ações, de outro. Discutem a contribuição que a neuroeconomia traz para