35 Guia de Economia Comportamental
e Experimental
conceito de “aversão à traição” (Bohnet, Greig, Herrmann e Zeckhauser, 2008): as pessoas aceitam
riscos maiores quando estão diantes de uma dada probabilidade de má sorte do que com a mesma
probabilidade de serem traídas por outra pessoa.
Nas relações humanas, o logro frequentemente é considerado uma violação da confiança, en-
quanto na Economia clássica a desonestidade pode ser vista como um subproduto natural de agen-
tes auto-interessados. No entanto, a perspectiva da EC não considera os humanos mais honestos;
vê as coisas mais por uma perspectiva socio-psicológica, mostrando que a desonestidade não diz
respeito apenas a trade-offs entre incentivos externos (como o ganho material) e custos (como puni-
ções). A desonestidade é um produto de situações tanto quanto de mecanismos internos e externos,
e muitas vezes envolve o auto-engano — a reinterpretação de atos desonestos (por exemplo, não de-
clarar toda a sua renda ao fisco) de modo a fazê-los parecer menos desonestos (Mazar e Ari, 2006).
Justiça e Reciprocidade
Muitas pesquisas comportamentais sobre a tomada de decisão individual em contextos sociais ba-
seiam-se em jogos experimentais. Juntamente com a teoria da decisão comportamental, a teoria
dos jogos comportamentais é a segunda principal área teórica da Economia Comportamental. Tipi-
camente, esses jogos dotam os participantes com algum montante inicial (como fichas) que depois
trocam de mãos com base em escolhas feitas por indivíduos segundo as regras do jogo. Isso ocorre
durante uma ou mais rodadas. O resultado se evidencia no modo como as recompensas são divididas
entre os jogadores. Frequentemente, mostra que as pessoas têm aversão à desigualdade, isto é, os
jogadores preferem a justiça à desigualdade em muitos contextos (Fehr e Schmidt, 1999).
A justiça está relacionada a motivação pela reciprocidade: nossa tendência a retribuir a ação de
outra pessoa com uma ação equivalente. No entanto, a reciprocidade pode ter aspectos positivos
e negativos. Como mostrou o trabalho de Ernst Fehr nessa área, as respostas das pessoas a ações
positivas frequentemente são mais gentis do que prediria um modelo baseado no auto-interesse; por
outro lado, também pode haver respostas punitivas a ações negativas (Fehr e Gaechter, 2000). No
mundo real, as entidades beneficentes às vezes usam a reciprocidade a seu favor. Por exemplo, um
experimento de campo que investigou o comportamento de doação constatou que pessoas que re-
ceberam um presente junto a uma carta solicitando doação apresentaram uma frequência de doação
75% maior do que na condição básica, “sem presente” (Falk, 2004).
Normas Sociais
O sociólogo Alvin Gouldner referiu-se à reciprocidade como uma “norma moral generalizada” (Gou-
ldner, 1960). Normas sociais são expectativas ou regras comportamentais implícitas ou explícitas
em uma sociedade ou grupo de pessoas (Dolan et al., 2010) e são um componente importante da
economia da identidade,
que considera as ações econômicas resultados de incentivos monetários e
de auto-conceitos das pessoas (Akerlof e Kranton, 2010). Nossas preferências não são simplesmente
uma questão de gostos básicos; elas também são influenciadas por normas, por exemplo, as que se
manifestam nos papéis de cada sexo.
As normas variam conforme as culturas e os contextos. Por exemplo, enquanto as normas de
mercado ditam que é preciso pagar por um bem ou serviço, as normas sociais são muito diferentes
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— você se ofereceria para pagar a um membro da família pela refeição que ele preparou para você?
(Ariely, 2008) Às vezes, coexistem na mesma esfera normas sociais de troca, como a reciprocidade,
e normas de mercado. Enquanto as normas de mercado determinam que eu cobre de um cliente por
um trabalho de consultoria, também posso, em algumas ocasiões, dar conselhos gratuitamente a
esse cliente, esperando que esse favor me seja retribuído no futuro.
As normas sociais sinalizam o comportamento ou as ações apropriados adotados pela maioria
das pessoas (embora o que se considere “apropriado” também esteja sujeito a contínuas mudanças).
Juntamente ao feedback informativo (por exemplo, a quantia poupada porque você não tomou bebi-
da alcoólica), o feedback normativo descritivo (por exemplo, como o seu nível de consumo de álcool
se compara à média nacional) frequentemente é usado em programas destinados a mudar compor-
tamentos que afetam a saúde (Diclemente et al., 2001), enquanto organizações sem fins lucrativos
às vezes usam informações normativas para influenciar os níveis de doação. Um estudo comparou
níveis de contribuição para uma coleta de fundos pelo rádio nos Estados Unidos. Quando foram for-
necidas aos potenciais doadores informações sociais que sinalizavam normas (por exemplo, “outro
membro contribuiu com $300), houve até 12% de aumento nas quantias médias contribuídas (Shang
e Croson, 2009).
Consistência e Compromisso
A suscetibilidade humana ao feedback sobre normas sociais está relacionada ao nossa preocupa-
ção em manter uma ideia positiva de quem somos como pessoas. Quando o resultado de uma ação
ameaça essa imagem positiva, podemos mudar nosso comportamento, embora frequentemente mu-
demos apenas nossas atitudes ou crenças. Em geral, quando isso acontece, recorremos à “raciona-
lização”, que é uma forma de reduzir a dissonância cognitiva (Festinger, 1957). Em contraste com a
visão de que os seres humanos tomam decisões com base em uma escolha racional na qual preferên-
cias guiam as escolhas, a racionalização implica o oposto: às vezes, as preferências podem justificar
as ações após o fato (March, 1978). A teoria da dissonância cognitiva é uma ilustração da necessidade
humana de uma autoimagem contínua e consistente (Cialdini, 2008). No esforço de alinhar o com-
portamento futuro, o melhor modo de ser consistente é por meio de um compromisso, sobretudo se
ele for feito publicamente. Assim, comprometer-se de antemão com um objetivo é um dos recursos
comportamentais mais frequentemente aplicados para se obter uma mudança positiva.
O programa “Poupe Mais Amanhã”, destinado a ajudar empregados a guardar mais dinheiro, ilus-
tra diversos vieses e recursos para retificá-los, entre eles o compromisso (Thaler e Benartzi, 2004).
O programa dá aos empregados a opção de comprometerem-se previamente com um aumento gra-
dual dos valores poupados no futuro toda vez que receberem um aumento salarial. Com isso, evita
a percepção de perda que seria sentida com uma redução da renda disponível, já que os clientes se
comprometem a poupar futuras elevações de renda. A inércia das pessoas torna mais provável que
elas se mantenham no programa, pois para saírem seria preciso que tomassem providências.