31 Guia de Economia Comportamental
e Experimental
diferença de preço de 14 centavos sempre deveria fornecer a mesma magnitude de mudança no
incentivo para escolher o produto (Shampanier, Mazar e Ariely, 2007). Finalmente, muitas vezes o
preço é interpretado como indicador da qualidade, e pode até sugestionar e produzir consequências
físicas, como os placebos em estudos médicos. Um experimento, por exemplo, deu aos participantes
uma bebida supostamente benéfica para a acuidade mental. Quando pessoas receberam uma bebida
com desconto, seu desempenho na resolução de quebra-cabeças foi significativamente inferior ao
encontrado nas condições de preço regular e de controle (Shiv, Carmon e Ariely, 2005).
Previsivelmente Irracional e
Nudge alertaram o público para uma
nova estirpe de economistas
influenciados pelo estudo da tomada de decisão comportamental cujos pioneiros foram os trabalhos
de Kahneman e Tversky (às vezes citados como “escolha sob incerteza”). A psicologia do homo eco-
nomicus — um indivíduo racional e egoísta com preferências relativamente estáveis — foi contestada,
assim como a tradicional ideia de que a mudança comportamental deve ser obtida fornecendo infor-
mações, convencendo, incentivando ou penalizando as pessoas (Thaler e Sunstein, 2008). O campo
associado a essa linha de estudos e teoria é a Economia Comportamental (EC), que procura mostrar
que as decisões humanas são fortemente influenciadas pelo contexto, no qual se inclui o modo como
as escolhas nos são apresentadas. O comportamento varia no tempo e no espaço e é sujeito a vieses
cognitivos, emoções e influências sociais. As decisões resultam de processos menos deliberativos,
lineares e controlados do que gostaríamos de acreditar.
Teoria do Sistema Dual
Daniel Kahneman usa uma estrutura teórica de sistema dual (consolidada na Psicologia Cognitiva e
Social nos anos 1990) para explicar por que nossas avaliações e decisões frequentemente não estão
em conformidade com noções formais de racionalidade.
As avaliações influenciadas pelo Sistema 1 têm por base impressões derivadas de conteúdo men-
tal facilmente acessível. O Sistema 2, por outro lado, procura monitorar ou controlar — frequente-
mente sem êxito — as operações mentais e o comportamento observável.
Disponibilidade Afeto
O Sistema 1 é a “casa” das heurísticas (atalhos cognitivos) que aplicamos e é responsável pelos vieses
(erros sistemáticos) que podemos cometer quando tomamos decisões (Kahneman, 2011).
Os proces-
sos do Sistema 1 nos influenciam quando uma exposição prévia a um número afeta avaliações subse-
quentes, como se evidencia nos efeitos de ancoragem já discutidos (Tversky e Kahneman, 1974). Uma
das heurísticas mais universais é a da disponibilidade. A disponibilidade serve como um atalho men-
tal quando a possibilidade de um evento ocorrer é percebida como maior simplesmente porque um
exemplo nos vem à mente rapidamente (Tversky e Kahneman, 1974). Por exemplo, uma pessoa pode
considerar investimentos em previdência privada muito arriscados porque se lembra de um parente
O Sistema 1 consiste em processos de pensamento
que são intuitivos, automáticos, baseados na
experiência e relativamente inconscientes.
O Sistema 2 é mais
reflexivo, controlado,
deliberativo e analítico.
32 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
que perdeu a maior parte de suas economias para a aposentadoria na recessão recente. Informações
prontamente disponíveis na memória também são usadas quando fazemos avaliações baseadas na
similaridade, como se evidencia na heurística da representatividade.
Finalmente, outra heurística “multiuso” é a do afeto, isto é, bons ou maus sentimentos que aflo-
ram automaticamente quando pensamos em um objeto. Aplicar a heurística do afeto pode nos levar
ao pensamento excludente, que é particularmente evidente quando as pessoas pensam em um ob-
jeto em situações que impedem a reflexão pelo Sistema 2, como quando há pressão de tempo. Por
exemplo, consumidores podem considerar poucos os benefícios dos preservativos e grande o custo
desses produtos, o que acarreta uma correlação risco-benefício negativa significativa (Finucane,
Alhakami, Slovic e Johnson, 2000).
O papel do afeto em situações de risco ou incerteza também se evidencia no modelo do risco
como sentimentos (Loewenstein, Weber, Hsee e Welch, 2001). Interpretações “consequencialistas”
da tomada de decisão tendem a focar em expectativas juntamente com a probabilidade e o valor
subjetivo de possíveis resultados. A perspectiva do risco como sentimentos explica o comporta-
mento em situações nas quais reações emocionais ao risco diferem de avaliações cognitivas. Nessas
situações, o comportamento tende a ser influenciado por sentimentos advindos de expectativas,
emoções experimentadas no momento da tomada de decisão.
Saliência
Disponibilidade e afeto são processos internos do indivíduo que podem resultar em vieses. O equiva-
lente externo desses processos é a saliência, pela qual as informações que se destacam, são novas ou
parecem relevantes têm maior probabilidade de afetar nossas ações (Dolan et al., 2010). Por exemplo,
um dispositivo tecnológico pode ser apresentado como sendo 99% confiável ou como tendo uma
taxa de falha de apenas 1%, enfatizando-se, assim, informações positivas ou negativas. A saliência
também fundamenta julgamentos heurísticos que podem se basear em dicas externas. Alguns psicó-
logos concluíram que existem heurísticas redutoras de esforço que simplificam a tomada de decisão
dos consumidores. A heurística do nome da marca, por exemplo, sugere que dicas salientes na forma
dos nomes de marcas podem ser usadas para inferir a qualidade (Maheswaran, Mackie e Chaiken,
1992). Quanto aos graus de saliência visual, um estudo encontrou um efeito de congruência entre
preço e tamanho da fonte, no qual um preço de liquidação mostrado em caracteres pequenos em
relação ao preço regular resultou em maior probabilidade de compra do que quando o preço de liqui-
dação era apresentado em caracteres relativamente grandes (Coulter e Coulter, 2005). Finalmente,
a saliência de opções também pode ser manipulada rearranjando-se o ambiente físico. Por exemplo,
demonstrou-se que uma mudança simples como pôr garrafas de água mais perto do caixa em um
restaurante self-service aumenta a saliência e a conveniência dessa bebida mais saudável e, com isso,
eleva significativamente a venda de água (Thorndike, Sonnenberg, Riis, Barraclough e Levy, 2012).
Viés do Status Quo e Inércia
Embora muitas heurísticas e vieses sejam resultado de impressões rápidas, o caráter automático do
Sistema 1 também se reflete na aversão humana à mudança. Nessa esfera, um aspecto se evidencia na
formação de hábitos, padrões comportamentais automáticos que resultam de repetição e aprendiza-
do associativo (Duhigg, 2012). A preferência pela permanência das coisas, por exemplo, a tendência