27 Guia de Economia Comportamental
e Experimental
Os economistas comportamentais, em essência, usam a Psicologia para estudar problemas econô-
micos e sua abordagem geralmente se alicerça no casamento da experimentação com o pensamento
econômico tradicional, por exemplo, no conceito de utilidade. Entretanto, como a EC é uma disciplina
na intersecção da Psicologia com a Economia, nem sempre suas fronteiras são claramente definidas.
Graças a isso e também à crescente popularidade da EC, alguns acadêmicos e profissionais que no
passado poderiam intitular-se psicólogos (por exemplo, especialistas em mudança comportamental ou
psicologia do consumidor) passaram a apresentar-se como “economistas comportamentais” ou “cien-
tistas comportamentais”. Também, as vezes, são outros que os chamam assim. Em um artigo no Hu-
ffington Post, por exemplo, o psicólogo organizacional Adam Grant mencionou que frequentemente o
apresentam como economista comportamental. Em uma ocasião ele tentou corrigir isso, mas um exe-
cutivo replicou: “Seu trabalho parece mais chique se eu chamar você de economista comportamental”.
Certamente parece verdade, como
observou
Daniel Kahneman, que “agora se costuma rotular como
Economia Comportamental as aplicações da Psicologia Social ou Cognitiva” quando o assunto é a for-
mulação de políticas públicas. Infelizmente, como
notou
Richard Thaler, isso
tem o efeito colateral de
não se dar o devido valor ao grande trabalho feito por não economistas em áreas de políticas públicas.
A importância da ciência comportamental hoje também se evidencia no mercado de trabalho,
onde organizações de diversos tipos, como instituições financeiras, agências de pesquisa de merca-
do e empresas da área da saúde procuram “Chief Behavioral Officers” (“diretores comportamentais”)
ou, mais modestamente, “Behavior Change Advisors” (“consultores de mudança comportamental”).
Alguém poderia argumentar que o interesse em EC é apenas uma tendência passageira em ramos
propensos a modas e com limiares de atenção reduzidos. Mas essa ideia menospreza a importância da
disciplina, pois a busca do conhecimento é um processo incremental, particularmente nas ciências so-
ciais e comportamentais. De modo geral, a EC é uma área ainda incipiente e parece ter vindo para ficar.
A disseminação do conhecimento acadêmico da “alta cúpula” ao público geral tem sido ajudada
por livros de divulgação científica escritos por renomados acadêmicos das áreas de Economia, Psi-
cologia e políticas públicas. A Economia Comportamental foi popularizada fora dos círculos acadê-
micos pelos livros Previsivelmente Irracional (Dan Ariely), Nudge (Richard Thaler e Cass Sunstein), e
Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar (Daniel Kahneman). Muitas publicações nessas linhas têm
passado cada vez mais rápido do lado descritivo do continuum para o lado prático. Mais recentemen-
te, Uri Gneezy e John List publicaram o livro
The Why Axis: Hidden Motives and the Undiscovered
Economics of Everyday Life
, documentando experimentos de campo que mostram como incentivos
podem mudar resultados no mundo real, e Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir publicaram
Scarcity:
Why Having Too Little Means So Much
, que reflete sobre como a escassez — e nossas respostas ina-
dequadas a ela — moldam nossa vida, nossa sociedade e nossa cultura. O especialista em “mindless
eating” [comer sem atenção] Brian Wansink aborda problemas de alimentação em seu novo livro
Slim
by Design: Mindless Eating Solutions for Everyday Life,
enquanto o cientista comportamental Paul
Dolan, em
Felicidade Construída: Como Encontrar Prazer e Propósito no Dia a Dia
inicia os leitores
na ciência da felicidade e nos modos de alcançá-la. Richard Thaler, em
Misbehaving: The Making of
Behavioral Economics,
também tem uma perspectiva mais prática, que aplica a EC a fenômenos do
nosso cotidiano e fornece aos leitores ideias sobre como tomar decisões melhores. Finalmente, o
título do novo livro de Dan Ariely,
Irrationally Yours: On Missing Socks, Pickup Lines, and Other Exis-
tential Puzzles
, mostra como podemos lidar mais racionalmente com as mazelas do nosso cotidiano.
Já Shlomo Benartzi em
The Smarter Screen: Surprising Ways to Influence and Improve Online Beha-
vior
revela um kit de ferramentas para entender comportamentos e criar intervenções na era digital.
28 Guia de Economia Comportamental e Experimental
I. UMA INTRODUÇÃO À ECONOMIA COMPORTAMENTAL
Pense na última vez em que comprou um produto que pudesse ser personalizado. Um laptop, por
exemplo. Talvez você tenha decidido simplificar a sua tomada de decisão optando por uma marca
bem conhecida ou por alguma que você já tivesse possuído no passado. E então talvez tenha entrado
no site do fabricante para fazer o pedido. Mas o processo de tomada de decisão não parou por aí,
pois depois disso você precisou personalizar o seu modelo escolhendo diversas características do
produto (velocidade de processamento, capacidade do disco rígido etc.) e ainda não sabia muito
bem de que características iria realmente precisar. Nessa etapa, a maioria dos fabricantes de tecno-
logia mostra um modelo básico com opções que podem ser mudadas conforme as preferências do
comprador. O modo como essas escolhas de produto são apresentadas ao cliente influenciarão a
compra final e ilustra vários conceitos das teorias de Economia Comportamental (EC).
Primeiro, o modelo básico apresentado para personalização representa uma escolha padrão
(default). Quanto mais incertos sobre sua decisão estiverem os clientes, mais provável será que eles
fiquem com o default, sobretudo se ele for explicitamente apresentado como a configuração reco-
mendada. Segundo, o fabricante pode empregar a noção de “framing” e apresentar as opções de
modos diferentes, recorrrendo a um modo de personalização baseado em “adicionar” ou “deletar”
(ou alguma coisa intermediária). No modo adicionar, os clientes começam com um modelo básico
e podem acrescentar mais opções ou melhores características. No modo deletar ocorre o processo
oposto e os clientes têm de remover opções ou simplificar um modelo completo. Um estudo mos-
trou que os consumidores acabam escolhendo um número maior de características quando o mo-
delo para personalizar está programado no modo deletar do que quando o modo é o de adicionar
(Biswas, 2009). Finalmente, a estratégia de framing na apresentação das opções será associada a
diferentes âncoras de preço antes da personalização, o que pode influenciar o valor percebido do
produto. Se o produto final configurado terminar com um preço de $1500, provavelmente seu custo
será percebido como mais atrativo se a configuração inicial fosse de $2000 (o modelo completo),
do que se fosse $1000 (modelo básico). Os vendedores se dedicarão a um meticuloso processo de
experimentação para encontrar um ponto ideal — uma estratégia para oferecer opções de perso-
nalização que maximizem as vendas, a partir de um preço padrão que encoraje o máximo possível
de consumidores a iniciarem o processo de compras.
Escolha Racional
Em um mundo ideal, defaults, frames e preços-âncora não influenciariam as escolhas dos consumi-
dores. Nossas decisões seriam resultado de uma cuidadosa ponderação de custos e benefícios e se
baseariam em preferências existentes. Sempre tomaríamos decisões ótimas. No livro The Economic
Approach to Human Behavior, do economista Gary S. Becker, publicado em 1976,
o autor apresentou
uma célebre série de ideias conhecidas como os pilares da chamada teoria da “escolha racional”. A
teoria supõe que os agentes humanos têm preferências estáveis e procuram maximizar o comporta-
mento. Becker, que aplicou a teoria da escolha racional a esferas tão diferentes como crime e casa-
mento, acreditava que disciplinas acadêmicas como a sociologia podiam aprender com a hipótese do
“homem racional” proposta pelos economistas neoclássicos em fins do século 19. Entretanto, os anos
1970 também viram o surgimento da linha de pensamento oposta, como veremos na próxima seção.