29 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
Teoria da Perspectiva (Teoria dos Prospectos)
Enquanto a racionalidade econômica influenciava outros campos das ciências sociais de dentro para
fora, com a obra de Becker e da Escola de Chicago, psicólogos confrontavam o pensamento econômi-
co prevalecente com dados da realidade. Entre eles, salientaram-se Amos Tversky e Daniel Kahneman,
com vários artigos que pareciam erodir as ideias sobre a natureza humana defendidas pela corrente
dominante dos economistas. Talvez esses dois autores sejam mais conhecidos por terem formulado a
teoria da perspectiva (Kahneman e Tversky, 1979), que mostra que nem sempre as decisões são ótimas.
Nossa disposição para correr riscos é influenciada pelo modo como as escolhas são apresentadas (fra-
med), isto é, depende do contexto. Consideremos o seguinte problema de decisão clássico:
O que você prefere:
A) Um ganho certo de $250, ou
B) Uma chance de 25% de ganhar $1000 e uma chance de 75% de não ganhar nada?
E que tal:
C) Uma perda certa de $750, ou
D) Uma chance de 75% de perder $1000 e uma chance de 25% de não perder nada?
O trabalho de Tversky e Kahneman mostra que as respostas diferem conforme as escolhas são
apresentadas (framed) como um ganho (1) ou uma perda (2). Diante do primeiro tipo de decisão,
grande parte das pessoas optará pela alternativa sem risco (A), enquanto no segundo problema as
pessoas mostram maior probabilidade de escolher D, a mais arriscada. Isso acontece porque temos
maior aversão à perda do que apreço por um ganho equivalente. Abrir mão de alguma coisa é mais
doloroso do que o prazer que sentimos por recebê-la.
Racionalidade Limitada
Muito antes do trabalho de Tversky e Kahneman, pensadores dos séculos 18 e 19 já estavam
interessados nos esteios psicológicos da vida econômica. No entanto, durante a revolução neo-
clássica na virada do século 20, cada vez mais estudiosos tentaram emular as ciências naturais,
pois queriam distinguir-se do campo da Psicologia, então considerado “acientífico” (Camerer,
Loewenstein e Rabin, 2011). A importância da Economia corroborada pela Psicologia refletiu-se
mais tarde no conceito de “racionalidade limitada”, um termo associado ao trabalho de Herbert
Simon nos anos 1950. Segundo essa concepção, nem todas as decisões são ótimas. Existem res-
trições ao processamento de informações pelos seres humanos, porque há limites de conheci-
mento (ou de informações) e de capacidades computacionais.
O trabalho de Gerd Gigerenzer sobre heurísticas “rápidas e frugais” desenvolveu mais tarde as
ideias de Simon e propôs que a racionalidade de uma decisão depende de estruturas encontradas no
ambiente. As pessoas são “ecologicamente racionais” quando fazem o melhor uso possível de suas
capacidades limitadas, aplicando algoritmos simples e inteligentes que podem levar a inferências
quase ótimas (Gigerenzer e Gigerenzer, 1996).
30 Guia de Economia Comportamental e Experimental
Embora a ideia de limites humanos à racionalidade não fosse completamente nova em Econo-
mia, o programa de estudos sobre “heurísticas e vieses” de Tversky e Kahneman trouxe importantes
contribuições metodológicas, pois defendeu uma abordagem rigorosa à compreensão das decisões
econômicas com base na medição de escolhas reais feitas sob diferentes condições. Cerca de 30
anos depois, suas ideias introduziram-se na corrente dominante, o que resultou em crescente valori-
zação pelas esferas acadêmica, pública e comercial.
Informação Limitada: A Importância do Feedback
O princípio da limitação de conhecimentos ou informações que baseia a racionalidade limitada é
um dos temas abordados no livro Nudge, de 2008. Nessa obra, Thaler e Sunstein ressaltam que ex-
periência, boas informações e feedback rápido são os principais fatores que permitem às pessoas
tomar boas decisões. Pensemos, por exemplo, na mudança climática, citada como um problema par-
ticularmente difícil no que diz respeito a experiência e feedback. A mudança climática é um processo
invisível, difuso e de longo prazo. O comportamento benéfico ao meio ambiente por um indivídio, por
exemplo, reduzir emissões de carbono, não resulta em uma mudança perceptível. O mesmo se aplica
na esfera da saúde. Nessa área frequentemente o feedback é insatisfatório e temos maior probabili-
dade de obter feedback de opções escolhidas do que de opções rejeitadas.
Por exemplo, o impacto de fumar é mais perceptível no decorrer dos anos, enquanto o efeito desse
hábito sobre as células e órgãos internos geralmente não se evidencia para o indivíduo. Tradicional-
mente, o feedback genérico destinado a induzir uma mudança comportamental limita-se a informa-
ções como os custos econômicos do comportamento prejudicial à saúde e suas possíveis consequên-
cias ao organismo (Diclemente et al., 2001). Programas mais recentes voltados para a mudança de
comportamento, como o que usa aplicativos de celular para ajudar o usuário a parar de fumar, hoje for-
necem feedback comportamental positivo e personalizado, que pode incluir o número de cigarros não
fumados e o dinheiro poupado, além de informações sobre melhora da saúde e prevenção de doença.
Tomada de Decisão “Irracional”: o exemplo da Psicologia do Preço
Encontramos ótimos exemplos de escolhas limitadamente racionais, tomadas devido às restrições
aos nossos processos de pensamento, especialmente aquelas que fazemos como consumidores, no
famoso livro de divulgação de Dan Ariely, Previsivelmente Irracional. Boa parte dos estudos que ele
examina envolve percepção de preços e valores. Um estudo perguntou aos participantes se eles
comprariam um produto (por exemplo, um teclado sem fio) por uma quantidade de dólares que fosse
igual aos dois últimos dígitos do número de seu seguro social. Depois lhes perguntaram qual era o
máximo que estariam dispostos a pagar. No caso do teclado sem fio, um número três vezes maior de
pessoas com os 20% maiores números de seguro social se disseram dispostas a pagar em compara-
ção com as dos 20% menores números. O experimento demonstra a ancoragem, um processo pelo
qual um valor numérico fornece um ponto de referência não-consciente que influencia percepções
de valores subsequentes (Ariely, Loewenstein e Prelec, 2003).
Ariely também introduz o conceito do Efeito Preço Zero, pelo qual quando um produto é anun-
ciado como “grátis”, os consumidores o percebem como intrinsecamente mais valioso. Um choco-
late grátis é desproporcionalmente mais atrativo em relação a um chocolate de $0,14 do que um
chocolate de $0,01 em comparação com um de $0,15. Para um tomador de decisões “racional”, uma