37 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
Outras Discussões Importantes
Contexto Interdisciplinar
O campo da EC situa-se em uma paisagem mais abrangente das ciências sociais e comportamentais,
na qual se inclui a Psicologia Cognitiva e Social e avanços na neurociência que abriram caminhos pro-
missores para uma melhor compreensão do cérebro humano (Camerer, Loewenstein e Prelec, 2005).
Já se afirmou que seria benéfico para a EC aumentar suas conexões com outras ciências comporta-
mentais, como a Antropologia, que pode ser particularmente importante em esferas que incorporam
interações humanas, em especial a teoria dos jogos aplicada ao comportamento (Gintis, 2009). Em
uma linha afim, psicólogos interessados nas origens evolucionárias de fenômenos estudados por
economistas comportamentais investigaram vieses comportamentais em macacos (Lakshminaraya-
nan, Chen e Santos, 2011).
Alguns psicólogos evolucionários contestaram suposições sobre a racionalidade que fun-
damentam a EC, sugerindo que julgamentos e decisões aparentemente “irracionais” podem ter
tido alguma função adaptativa em nosso ambiente ancestral. O uso de atalhos heurísticos, por
exemplo, é um meio eficiente para os humanos fazerem uso de conhecimentos e capacidades
de processamento limitados. Segundo Herbert Simon, as pessoas tendem a tomar decisões que
sejam satisficientes (uma combinação de satisfatório e suficiente), em vez de ótimas (Gigerenzer
e Goldstein, 1996) quando os resultados são simplesmente bons o suficiente tendo em vista os
custos e restrições envolvidos.
Também foram aplicadas perspectivas evolucionárias ao framing de decisões, mostrando que
efeitos de framing em um clássico problema de decisões com risco sobre “vidas perdidas” e “vidas
salvas” podem mudar o número de vidas em jogo. Um efeito inverso de preferência “irracional” pelo
risco está presente quando há 600 ou 6.000 envolvidos, mas desaparece quando o número é reduzi-
do para 6 ou 60. Segundo a perspectiva evolucionária, nossos padrões de pensamento evoluíram em
ambientes de caçadores-coletores que viviam em pequenos grupos (Rode e Wang, 2000).
Generalização
São necessários mais estudos transculturais para determinar o grau de universalidade associado às
teorias comportamentais (Etzioni, 2011). Estudos que comparam o estilo de pensamento analítico
(europeu ocidental) com o holístico (do leste asiático) implicam que as tensões entre a psicologia do
homo economicus e do homo sapiens deviam ser muito mais pronunciadas em regiões culturais da
Europa Ocidental e especialmente dos Estados Unidos. Nas culturas do Leste Asiático, o raciocínio
tende a ser mais influenciado por contextos. As pessoas tendem mais a usar a intuição se ela confli-
tar com uma racionalidade formal e a aceitar variações de comportamento em diferentes situações
(Nisbett, Peng, Choi e Norenzayan, 2001). Em culturas coletivistas que favorecem uma auto-imagem
interdependente, os indivíduos veem a si mesmos como mais ligados aos outros e, ao contrário do
egoísta homo economicus, são mais propensos a levarem outras pessoas em consideração e a toma-
rem decisões buscando uma interdependência harmoniosa (Markus e Kitayama, 1991).
Tanto nas áreas acadêmicas como nas áreas aplicadas da EC, assim como nas ciências com-
portamentais em geral, vem crescendo o interesse em levar o estudo da tomada de decisão do
laboratório universitário (sobretudo americano) para situações do mundo real. Questiona-se a utili-
dade dos experimentos limitados a amostras de estudantes e a experimentação online com amostras
38 Guia de Economia Comportamental e Experimental
diversificadas está se tornando mais comum (Goodman, Cryder e Cheema, 2013). Alguns autores
identificaram questões de validade externa (o potencial de generalização) quando estudos psicoló-
gicos inicialmente realizados em laboratório foram replicados em campo (Mitchell, 2012). Tanto para
as empresas (Davenport, 2009) como para o setor público (Haynes, Service, Goldacre e Torgerson,
2012), uma abordagem do tipo “testar e aprender”, baseada em experimentação em campo, agora é
defendida como um modo valioso de testar hipóteses comportamentais.
Questões éticas
Quando a EC é usada para influenciar decisões, surgem inevitáveis questões ligadas à ética
4
. A
abordagem paternalista liberal (ou “
soft”) de aplicar
nudges na esfera pública afirma que as in-
tervenções são feitas pelo bem do indivíduo ou da sociedade como um todo (Thaler e Sunstein,
2008). Contudo, a prática e a filosofia por trás dos nudges não são imunes a críticas, pois as inter-
venções ocorrem sem o conhecimento do público, tanto no nível da implementação de políticas
como no dos processos psicológicos envolvidos (Dunt, 2014). Thaler e Sunstein argumentam que
mudar a arquitetura da escolha preserva a liberdade dos indivíduos para escolher e que, para co-
meçar, não existem mesmo escolhas que sejam apresentadas de modo neutro. Regras claras de
conduta e transparência beneficiarão os que aplicarem nudges nas esferas pública e privada. Uma
pesquisa de opinião recente indica que o público global tende a preferir a abordagem dos nudges
à imposição (obrigar por lei) (Branson et al., 2012). Essa mesma pesquisa também constatou um
apoio à legislação contra empresas, por exemplo, na área da promoção de escolhas alimentares
saudáveis ou em métodos de operação que não agridam o meio ambiente.
Os debates sobre usar a EC para influenciar consumidores levam em consideração as expec-
tativas que os consumidores têm das empresas e do governo, noções de livre arbítrio, processos
psicológicos na tomada de decisão pelos consumidores e o contexto mais amplo da ética em
marketing e das abordagens de marketing tradicionais. Nudges aplicados diretamente aos consu-
midores prejudicam a capacidade de escolher livremente ou apenas os impelem em uma direção
específica (por exemplo, comprar a marca A em vez da B) por meio de ações que já são voltadas
para um objetivo (por exemplo, comprar um refrigerante)? Adicionalmente, a capacidade das
pessoas para refletir sobre suas ações e suas expectativas sobre o auto-interesse comercial no
mercado as tornam suficientemente vigilantes para que, se necessário, controlem e corrijam suas
escolhas? Finalmente, a EC é aplicada a um marketing radicalmente novo (a maioria dos profis-
sionais de marketing diria que não) ou simplesmente expande o conjunto de técnicas de que os
gestores já dispõem, enquanto lhes permite entender melhor o comportamento humano e siste-
matizar a prática do marketing e da pesquisa?
4
Ana Maria Bianchi retoma o tema da ética em seu capítulo ““A ÉTICA NA ECONOMIA COMPORTAMENTAL: UMA BREVE INCURSÃO”