Mestrado em Sociologia Relações de poder no campo família empresária
Jorge Rodrigues
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empíricos que constituem o foco da investigação, vamos considerar a família empresária
como um campo social (Bourdieu 1998), em que os seus membros disputam uma
posição pelo exercício do poder e cujo funcionamento pode ser assimilado a um jogo,
onde os princípios de funcionamento são dominados pelos membros da família (Figura
1.2), cujas fronteiras entre os diferentes subsistemas sociais são porosas. Ou seja, a
família empresária é um espaço social, um sistema de posições diferenciadas, as quais
conferem aos membros da família que as ocupam, papéis e estatutos diferentes
(Accardo 2006, 66).
Fonte: Elaboração própria.
Figura 1.2 – Família empresária: Campo, habitus e capital simbólico
Assim, as oportunidades de mercado manifestam-se em atitudes empreendedoras de
alguns membros da família nuclear (Moreira 2009, 20), os quais transformam esses
eventos em sucesso. Começam a surgir tensões no seio da família ou famílias, com os
seus membros a tomarem partido a favor ou contra aqueles negócios, e inicia-se uma
transição para a família empresária. Este conceito coloca a ênfase na importância e
particularidades das relações resultantes da interação entre a família do empreendedor,
enquanto grupo de pessoas unidas entre si por ligações de consanguinidade, pelo
casamento ou por adoção, seja como família nuclear ou como família alargada (Giddens
2013, 368) e o negócio. Este deixa de ser apenas a ocupação do empreendedor e passa a
ser também o meio de sustento e a ocupação de parte ou de toda a família, passando
então a ter o estatuto de negócio familiar, devido à natureza do envolvimento da família,
Família(s)
Família empresária
(Campo social)
Capital simbólico
(recursos)
Agentes
Habitus
(públicos internos)
(orientação
empreendedora)
Instituições
Zona de tensão
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seja como detentora do capital seja na gestão do negócio, ou mesmo em ambas as
situações, em simultâneo. Assim, o conceito de família empresária é utilizado para nos
referirmos à família como uma instituição ou estrutura social (Nordqvist et Melin 2010,
214) que resulta da sobreposição da família matrimonial, da empresa familiar e da
orientação empreendedora (Randerson et al. 2015, 144). Para Habbershon et al. (2003,
453), como vimos, sendo a família empresária um metasistema composto por três
subsistemas abrangentes:
a)
Família de controlo – representa a história, tradições e o ciclo de vida da família;
b)
O negócio – representa as estratégias e estruturas utilizadas para gerar riqueza;
c)
O indivíduo, membro da família – representa os interesses, aptidões e estágio do
ciclo de vida dos membros da família proprietária/gestores.
Como tal, a família empresária é uma estrutura dinâmica constituída por interações
sociais – enquanto jogo de influências entre atores a poderem envolver interesses,
desinteresse ou indiferença (Floriani 2012, 117-119), constituindo o campo social
teorizado por Bourdieu (1989). Esse campo social ou campo de forças estrutura-se em
redor dos agentes ou públicos internos da família empresária, os quais detêm o capital
simbólico ou recursos da familia empresária, que aplicam e transformam com o habitus
inerente à sua condição de pertença à família empresária, no qual se inclui a orientação
empreendedora, caraterística intrínseca e distintiva dos membros da família empresária
(Nordqvist et Melin 2010, 220-229). Dando suporte institucional a estas interações
sociais e incutindo confiança nas mesmas, surgem, em termos tranversais à sociedade,
as instituições – as regras do jogo –, com o objetivo de reduzir a incerteza (North 1991).
Uma análise deste tipo preconiza o recurso ao modelo: atores – atividades – atitutes
(Nordqvist et Melin 2010, 220-229) e aos conceitos de campo, habitus e capital
simbólico (Bourdieu 1971, 1978, 1986, 1989), para que a família empresária
disponibilize um conjunto único de recursos à empresa familiar, que emergem das
interações entre os seus subsistemas – o conceito familiness (Habbershon et Williams
1999, 129; Habbershon et al. 2003, 460). Este conceito, de difícil tradução para a língua
portuguesa, resulta da adaptação à temática da empresa familiar e da familia empresária
da teoria dos recursos, e não pressupõe, necessariamente, uma vantagem; esta pode ter
um impacto positivo, neutro ou negativo, e em qualquer dos casos, com repercussão na
sustentabilidade da posição competitiva da empresa familiar.
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1.4.2 Família empresária como campo multigeracional
Na definição de empresa familiar adotada, esta é, simultaneamente, um projeto familiar
e um projeto económico. Esta caraterística é fundamental, quer para a permanência da
titularidade da empresa familiar na família empresária ao longo de gerações, quer para
que esta família perdure como unidade social (Lima 2003, 161). Como consequência, os
conceitos de empresa familiar e de família empresária têm uma relação de sentido bem
definido (Figura 1.3), com o construto família empresária C, a ser uma variável
independente da empresa familiar e, simultâneamente, uma variável dependente das
várias gerações de uma ou de diferentes famílias. A esta complexidade de estruturas de
múltiplas famílias, Gersick et al. (1997, 101) chamam “tapeçaria familiar”.
Figura 1.3 – Gestação da família empresária
As famílias nucleares A
0
e B
0
– famílias fundadoras – são um grupo social constituído
por duas ou mais pessoas que interagem entre si e eventualmente com os outros núcleos
familiares, independentemente do seu nível,
são interdependentes entre si para a
prossecução de objetivos comuns (D’Allura et Erez 2009, 13) e partilham uma história
comum, experiências e ligações emocionais (Kraus et al. 2011, 34).
Assim, estes grupos seminais A
0
e B
0
estão na origem da formação de um novo grupo
social, ou seja, a segunda geração da família – as famílias A
1
e B
1.
Estas famílias de
segunda geração estão na origem das famílias da terceira geração – as famílias A
2
e B
2
–
as quais geram, por sua vez, as famílias da quarta geração – as famílias A
3
e B
3
. E assim
sucessivamente, até à enésima geração!
A família torna-se, assim, uma rede de famílias, à medida que a geração mais jovem vai
casando e tendo filhos (Gersick et al. 1997, 84). Cada uma das cascatas A e B irá dar
origem ao clã – clãs A e B – como sendo o conjunto de indivíduos que se consideram,
Família A
n
Família B
n
…
Família Empresária C
…
Família A
3
Família B
3
Família A
2
Família B
2
Família A
1
Família B
1
Família A
0
Família B
0
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