Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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- Chega dar-te uma resposta daqui a três semanas?

Chegava.

Depois, pus-me a caminho do Lar Tauberbischof. Ainda tinha tempo suficiente para ir calmamente de carro pelo vale do Necker e beber um café em Amorbach. Diante do

castelo, uma turma de alunos fazia barulho, esperando pelo guia. Poder-se-á realmente ensinar o sentido do belo às crianças?

O senhor Mencke era um homem temerário. Tinha construído um lar para si próprio, embora houvesse a hipótese de poder ser transferido. Abriu a porta vestido de uniforme.

- Entre, entre, senhor Selb. Mas olhe que não disponho de muito tempo. Tenho que voltar ao trabalho daqui a bocadinho.

Sentámo-nos na sala. Ofereceram jàgermeisler, mas ninguém bebeu.

O Sergej chamava-se na realidade Siegfried e deixara a casa dos pais apenas com dezasseis anos, para grande preocupação da mãe. Pai e filho haviam cortado relações.

Não tinham perdoado ao desportivo filho que tivesse evitado ir à tropa por causa de uma lesão fingida na coluna. O seu percurso no bailado também tinha chocado com

o desprezo da família.

- Talvez também tenha o seu lado positivo, o facto de ele já não poder dançar mais - comentou a mãe. - Quando fui visitá-lo ao hospital, era outra vez o meu Sigui.

Perguntei como é que o Siegfried se safara financeiramente desde então. Aparentemente, tinham aparecido sempre alguns amigos, ou amigas, que o haviam sustentado.

Por fim, o senhor Mencke serviu-se de um Jãgermeister.

- Eu gostaria de lhe ter dado algum dinheiro, da herança da vovó. Mas tu não me deixaste. - Falava para o marido com um ar repreensivo. - Só o empurraste ainda mais

fundo, para dentro de tudo.

- Cala-te, Ella. Isso não interessa ao senhor dos seguros. Tenho de voltar agora ao serviço. Venha comigo, senhor Selb, eu acompanho-o até lá fora.

Ficou à porta a ver-me ir embora de carro.

No caminho de regresso, voltei a Adelsheim. A estalagem estava cheia; alguns homens de negócios, professores do internato, e, numa mesa, três homens que davam a

impressão de serem um juiz, um advogado de acusação e um advogado de defesa do Tribunal de Adelsheim, que continuavam o julgamento num ambiente descontraído, sem

a presença importuna dos acusados. Lembrava-me de coisas assim, do tempo em que trabalhava para a Justiça.

Em Mannheim, fui apanhado no trânsito do regresso a casa e levei vinte minutos a percorrer os quinhentos metros até ao Centro Augusta. Abri a porta do meu escritório.

- Gerd! - gritou alguém e, quando me voltei, vi a Judith vir do outro lado da rua por entre os carros parados. - Podemos falar um minuto?

Voltei a fechar a porta.

- Vamos dar um passeio.

Subimos a Rua Moll e andámos pela Rua Richard Wagner. Demorou algum tempo até que ela dissesse alguma coisa.

- Exagerei, no sábado. Ainda não acho bem que não me tenhas dito, logo na quarta-feira, o que se passou entre ti e o Peter. Mas compreendo como te sentias, e lamento

ter-te acusado de não seres de confiança. Consigo ficar totalmente histérica desde que o Peter morreu.

Eu também precisei de algum tempo.

- Esta manhã, escrevi-te um relatório final. Vais encontrá-lo hoje ou amanhã de manhã, no correio, juntamente com a conta. Foi triste. Tive a sensação de estar a

arrancar-me coisas do coração: a ti, ao Peter Mischkey e à certeza de ter começado a destrinçar a meada que é este caso.

- Então estás de acordo em continuar? Diz-me o que escreveste no teu relatório.

Tínhamos ido parar diante da Galeria de Arte; começaram a cair umas gotas de chuva. Entrámos e, enquanto vagueávamos pelas salas com as pinturas do século XIX, fui-lhe

contando o que havia descoberto, o que supunha que podia ter acontecido e aquilo com que eu me interrogava. Ela parou diante do quadro "Efigénia de Aulis", de Feuerbach.

- É um belo quadro. Conheces a história aqui retratada?

- Acho que é o momento em que Agamémnon, seu pai, acaba de a oferecer à deusa Artemísia, para que o Vento se levante de novo e a frota grega possa partir para Tróia.

Gosto do quadro.

- Gostaria de saber quem era a mulher.

- Queres dizer, a modelo? Feuerbach amou-a muito: Nanna, a romana, mulher de um sapateiro. Deixou de fumar por causa dela. Depois ela deixou-o, e ao marido, por

um inglês.

Dirigimo-nos para a saída e vimos que ainda chovia.

- O que vais fazer a seguir? - perguntou a Judith.

- Amanhã quero ir falar com o Gremlich, o colega do Peter Mischkey no Centro Regional de Informática, e também novamente com algumas pessoas das IQR.

- Há alguma coisa que eu possa fazer?

- Se me lembrar de algo, digo-te. O Firner já sabe sobre ti e o Peter Mischkey, e sobre o que me encarregaste de fazer?

- Eu não lhe disse nada. Mas por que é que ele não me falou do envolvimento do Peter no assunto dos computadores? Antes, ele mantinha-me sempre a par de tudo.

- Então, nem sequer deste conta de eu ter solucionado o caso?

- Sim, passou um relatório teu pela minha secretária. Era tudo muito técnico.

- Só recebeste a primeira parte. Porquê, isso gostaria eu muito de saber. Pensas que consegues descobrir?

Ela ia tentar. Parara de chover, tornara-se escuro, e as primeiras luzes acendiam-se. A chuva trouxera o fedor das IQR. No caminho até ao automóvel, não falámos.

AJudith tinha um andar cansado. Ao despedirmo-nos, também vi o cansaço profundo nos seus olhos. Ela reparou no meu olhar.

- Não estou lá com muito bom aspecto, não é verdade?

- Não. Devias sair daqui durante um tempo.

- Nos últimos anos, fiz sempre férias com o Peter. Conhecemo-nos no Club Méditerranée, sabes? Agora, devíamos estar na Sicília. No final do Outono viajávamos sempre

para o Sul.

Começou a chorar.

Pus-lhe o braço em redor dos ombros. Não sabia o que dizer. Ela desfez-se em lágrimas.

15

O porteiro ainda se lembrava de mim



O Gremlich estava quase irreconhecível. Trocara o fato tipo safari por umas calças de flanela de lã e uma jaqueta de pele, os cabelos estavam cortados curtos, sobre

o lábio destacava-se um bigodinho muito fino, cuidadosamente aparado e, com o seu novo visual, emergia à superfície uma nova autoconfiança.

- Bom dia, senhor Selb. Ou deveria dizer Selk? O que o traz até nós?

O que deveria eu pensar disto? O Mischkey nunca lhe teria contado nada sobre mim. Quem mais? Alguém das IQR. Um acaso?

- Ainda bem que já sabe. Isso facilita o meu trabalho, venho de consultar os dados que o Mischkey tinha aqui. Poderia mostrar-mos?

- Como? Não estou a entender. Aqui já não existem nenhuns dados do Peter. - Olhou-me com um ar irritado e desconfiado. - Está aqui por incumbência de quem?

- Dou-lhe duas hipóteses de adivinhar. Então apagou as bases de dados? Talvez seja melhor assim. Mas diga-me, por favor, o que pensa disto.

Tirei de dentro da pasta as impressões de computador que encontrara no dossier do Mischkey.

Ele colocou-as diante de si, em cima da secretária, e ficou durante muito tempo a folheá-las.

- Onde é que as encontrou? Já têm cinco semanas. Foram impressas aqui, mas não têm nada a ver com os nossos dados. - Abanou a cabeça com um ar pensativo. - Gostaria

de ficar com elas. - Olhou para o relógio. - Agora, tenho de ir para uma reunião.

- Não me importo de voltar a trazer-lhe as impressões. Hoje tenho de as levar comigo.

Ele devolveu-mas, mas foi como se lhas estivesse a arrancar. Enfiei na minha pasta o contrabando, aparentemente explosivo.

- Quem é que assumiu o trabalho do Mischkey?

O Gremlich olhou-me com um ar demasiado alarmado. Levantou-se.

- Não compreendo, senhor Selb... Continuemos esta conversa numa outra oportunidade. Tenho mesmo de ir para a reunião.

Levou-me até à porta.

Saí do prédio, vi a cabine telefónica na Praça Ebert e telefonei imediatamente ao Hemmelskopf.

- Nos Serviços de Informação do Crédito têm alguma coisa sobre um tal de Jôrg Gremlich?

- Gremlich... Gremlich... Se tivermos algo sobre ele, vai aparecer já no monitor. Só mais um momento... Aqui está ele, Jórg Gremlich, 19.11.1948, casado, dois filhos,

residente em Heidelberg, na Rua Furtwángler, tem um FordEscort vermelho, matrícula HD-S 735. Tinha dívidas, mas parece que enriqueceu de repente. Há apenas duas

semanas, resgatou o seu crédito no Bank fúr Gemeinwirtschaft. Cerca de 40 000 marcos.

Agradeci-lhe. Mas o Hemmelskopf não estava satisfeito.

- A minha mulher ainda está à espera do dragoeiro qui lhe prometeu na Primavera. Quando é que passas lá por casa?

Inscrevi o Gremlich na lista dos suspeitos. Duas pessoas trabalham no mesmo sítio; quando uma delas recebe a morte e a outra dinheiro, e ainda por cima tanto...

Não tinha nenhuma teoria, mas aquilo tinha um cheiro bastante suspeito.

As IQR nunca haviam pedido a devolução da minha identificação. Com ela, encontrei sem esforço um lugar para estacionar. O porteiro ainda se lembrava de mim e levou

a mão ao chapéu. Fui ao Centro de Informática e encontrei o Tausend-milch, sem dar de caras com o Oelmúller. Para mim, teria sido desagradável explicar-lhe o que

andava ali a fazer. O Tausend-milch estava desperto, solícito e lesto, como sempre. Assobiava entredentes.

- São dados nossos. Estranhamente misturados. E não foi impresso cá. Pensei que agora tínhamos paz outra vez. Quer que tente saber onde foi feita a impressão?

- Deixe estar. Mas consegue dizer-me de que dados se trata?

O Tausendmilch sentou-se diante de um monitor e disse:

- Tenho de procurar um bocadinho.

Esperei pacientemente.

- Por um lado, temos aqui o número de trabalhadores de baixa na Primavera e no Verão de 1978, depois temos as nossas listas de invenções e de participações nos lucros

até muito atrás, até antes de 1945, e aqui está.... não consigo perceber o que isto é, mas as abreviaturas podem ser as de outras indústrias químicas. - Desligou

o computador. - Aproveito para lhe agradecer. O Firner mandou chamar por mim e disse-me que o senhor me tinha mencionado muito elogiosamente no seu relatório e que

ele ainda tem planos para mim.

Deixei atrás de mim um homem feliz. Por um breve momento imaginei uma cena: o Tausendmilch, em cuja mão direita notara uma aliança de casamento, voltando para casa

nessa tarde e contando à sua elegante mulher, que o espera com um Martini e que trabalha na ascensão profissional dele à sua maneira, o sucesso do dia de hoje.

Nos Serviços de Segurança da fábrica, fui à procura do thomas. Numa das paredes do seu gabinete estava pendurada a estrutura curricular, meio acabada, do curso de

Agente de Segurança Licenciado.

- Tive de vir à fábrica e aproveito para lhe falar sobre a sua amável proposta para leccionar. A que devo a honra?

- Fiquei impressionado pela forma como o senhor solucionou o nosso problema de segurança de dados. Nós, os da fábrica, só temos a aprender consigo, sobretudo o Oelmúller.

Independentemente disso, é indispensável o curso ter um independente do ramo da segurança.

- Do que tratará?

- Da prática à ética da profissão de detective. Com exercícios e exame final, se não estiver a pedir-lhe de mais. Tudo isto deverá ter início no semestre de Inverno.

- Aí vejo um problema, senhor Thomas. Creio que imagina, e estou inteiramente de acordo consigo, que, para formar os jovens estudantes, terei de falar de casos concretos.

Mas pense, por exemplo, no caso aqui da fábrica, do qual acabamos de falar. Mesmo que eu não diga nenhuns nomes, todos irão logo ver o gato escondido com o rabo

de fora.


O Thomas não compreendeu.

- De que gato está a falar? Não havia nenhum gato no caso. E, de qualquer maneira...

- O Firner contou-me que o senhor ainda teve algumas maçadas com o meu caso.

- Sim, foi um pouco chato, aquilo com o Mischkey.

- Talvez eu devesse tê-lo apertado um pouco mais.

- Ele estava extremamente renitente quando o senhor no -lo passou.

- Segundo o que o Firner me disse, ele foi tratado com todo o cuidado na fábrica, como se fosse de porcelana. Não se falou de Polícia, nem de Tribunal, nem de prisão;

isso e um convite para se ser renitente.

- Mas, senhor Selb, evitámos sempre fazer-lhe sentir isso. O problema foi outro, totalmente diferente. Ele tentou chantagear-nos com toda a sem-vergonha. Nunca chegámos

a saber se ele tinha realmente qualquer coisa nas mãos, mas conseguiu provocar uma grande confusão.

- Com histórias antigas?

- Sim, com histórias antigas. Com a ameaça de ir para os jornais, para a concorrência, para os sindicatos, para a inspecção do trabalho, para o Bundeskartellamt.

Sabe, é duro dizer uma coisa destas, e a morte desse Mischkey também me faz pena, mas, ao mesmo tempo, fico contente por nos termos livrado desse problema.

O Danckelmann entrou sem bater.

- Ah, senhor Selb. Já falei hoje em si. O que está ainda a fazer, às voltas com esse Mischkey? O seu caso já está mais que terminado. Veja lá se não me espanta os

cavalos.


Tal como na conversa com o Thomas, também com o Danckelmann me movia em terrenos pantanosos. Perguntas demasiado directas poderiam fazer-me afundar. Mas quem não

arrisca, não petisca.

- O Gremlich telefonou-lhe?

O Danckelmann não me respondeu.

- Estou a falar a sério, senhor Selb, não mexa nessa história. Não nos agradaria.

- Os casos apenas estão encerrados para mim quando sei tudo. Sabia, por exemplo, que o Mischkey voltou a andar a passear no vosso sistema?

O Thomas ouvia atentamente e olhou-me, espantado. Já lamentava certamente o convite. O Danckelmann controlou-se e ficou com a voz embargada.

- Tem uma maneira rara de tratar os casos. Um caso está terminado quando o cliente não quer mais investigações. E o senhor Mischkey já não anda a passear por nenhum

lado. Por isso, faça-me o favor...

Eu ouvira mais do que alguma vez sonhara, e não me interessava uma escalada da situação. Mais uma palavra errada e o Danckelmann ir-se-ia lembrar da minha identificação

especial.

- Tem toda a razão, senhor Danckelmann. Por outro lado, também sente, com certeza, da mesma maneira que eu, que o empenho em coisas de segurança nem sempre pode

parar nas estritas fronteiras de um trabalho. E não se preocupe: como independente não posso dar-me ao luxo de me empenhar muito sem nenhum cliente.

O Danckelmann saiu, apenas meio conciliado. O Thomas esperava impacientemente que eu me fosse embora. Mas eu ainda tinha um docinho para ele.

- Para voltar ao assunto, senhor Thomas, é com prazer que aceito o seu convite para ser professor. Vou delinear um currículo.

- Agradeço-lhe o seu interesse, senhor Selb. Temos a mesma maneira de pensar.

Saí dos Serviços de Segurança da fábrica e encontrei-me de novo, no pátio, com Aristóteles, Schwarz, Mendeleiev e Keku-lé. No lado norte brilhava um sol cansado

de Outono. Sentei-me no degrau de cima de uma pequena escada que conduzia a uma porta emparedada. Tinha mais do que o suficiente em que pensar.

16

A sua favorita



Cada vez se encaixavam mais peças do quebra-cabeças. Mas ainda não formavam nenhuma imagem plausível. Percebia agora o que era o dossier ào Mischkey: o arquivo de

tudo o que ele tinha reunido contra as IQR. E não era grande coisa. Devia ter feito um grande bluff para. ter conseguido impressionar o Danckelmann e o Thomas da

maneira como parecia ter impressionado. Mas o que pretendia ele conseguir ou evitar com isso? As IQR não o tinham ameaçado com um processo, com a Polícia, o Tribunal

ou a prisão. Mas por que razão teriam querido pressioná-lo? O que pretenderiam fazer com o Mischkey, e contra quem se teria ele defendido com as suas insinuações

e ameaças pouco fundamentadas?

Pensei no Gremlich. Tinha recebido dinheiro, naquele dia de manhã tivera reacções estranhas, e eu tinha a certeza absoluta de que ele havia contado tudo ao Danckelmann.

Seria o Gremlich o homem das IQR no CRI? Teriam as IQR pensado primeiro no Mischkey para esse papel? Nós não nos queixamos à Polícia, e o senhor acha que os valores

das nossas emissões de poluentes são sempre legais? Valia muito dinheiro, ter uma pessoa assim. O sistema de controlo de emissões perderia o seu significado e a

produção não voltaria a ser prejudicada.

Mas tudo aquilo não tornava mais plausível o assassinato do Mischkey. O Gremlich no papel do assassino, querendo fechar o negócio com as IQR e constituindo o Mischkey

um entrave? Ou teria o material do Mischkey um poder explosivo que me escapara até agora, e que provocara uma reacção mortal das IQR? Mas, nesse caso, o Danckelmann

e o Thomas, que dificilmente não se aperceberiam de uma acção desse tipo, não teriam falado tão abertamente sobre o conflito com o Mischkey. E, embora o Gremlich

desse uma melhor impressão com o casaco de couro do que com o fato tipo safari, não conseguia imaginá-lo como assassino, nem sequer com um borsali-no. Estaria eu

a investigar numa direcção completamente errada? O Fred poderia ter espancado o Mischkey para as IQR, mas também o poderia ter feito para um outro cliente qualquer,

para quem o teria depois matado. Eu não fazia a mínima ideia daquilo em que o Mischkey se teria envolvido com as suas aldrabices. Tinha de voltar a falar com o Fred.

Despedi-me de Aristóteles. Novamente, os pátios da parte antiga da fábrica voltavam a exercer o seu feitiço. Passei pelos arcos e entrei no pátio seguinte, cujas

paredes resplandeciam no vermelho outonal das videiras russas. Não se via nenhum Richard brincando com a bola. Toquei à campainha da residência oficial da família

Schmalz. A mulher idosa, que eu já conhecia de vista, abriu a porta. Estava vestida de negro.

- Senhora Schmalz? Bom dia, o meu nome é Selb.

- Bem-vindo, senhor Selb. Vem connosco de carro para o enterro? Os meus filhos vêm já buscar-me.

Meia hora mais tarde, encontrava-me no crematório do cemitério principal de Ludwigshafen. A família Schmalz incluiu-me de uma maneira natural no luto pelo Schmalz

sénior, e eu não queria dizer que só tinha aparecido por acaso nos preparativos do funeral. Tinha ido no carro com a senhora Schmalz, o jovem casal Schmalz e o filho

Richard, satisfeito por ter vestido naquele dia uma gabardina azul-escura e um fato apropriado. Durante o caminho, fiquei a saber que o Schmalz sénior morrera de

enfarte.


- Parecia tão forte quando o vi, há umas semanas.

A viúva soluçou. O meu ceceador amigo contou as circunstâncias que tinham conduzido à sua morte.

- O papá, embora já reformado, ainda trabalhava muito. Tinha uma oficina num velho hangar perto do Reno. Há pouco tempo deixou de ter cuidado. A ferida na mão não

era muito funda, mas o médico acha que também houve uma hemorragia cerebral. Depois disso, o papá sentia sempre um formigueiro na metade esquerda do corpo, sentia-se

muito mal e ficava na cama. Há quatro dias, então, teve um enfarte.

No cemitério, as IQR estavam altamente representadas. O Danckelmann proferiu um discurso.

- A sua vida era a segurança da fábrica e a segurança da fábrica era a sua vida.

Durante o discurso, leu uma despedida pessoal do Korten. O presidente do clube de xadrez das IQR, em cuja equipa secundária o Schmalz sénior jogara no terceiro tabuleiro,

rogou a bênção de Caissás para o morto. A orquestra das IQR tocou a música "Eu tinha um camarada". O Schmalz distraiu-se e cerceou-me, comovido:

- A sua favorita.

Depois, o caixão coberto de flores deslizou para dentro do forno crematório.

Não consegui subtrair-me ao café e bolos depois da cerimónia. Mas consegui evitar ficar sentado ao lado do Danckelmann ou do Thomas, embora o Schmalz júnior me tivesse

destinado aqueles lugares de honra. Sentei-me ao lado do presidente do clube de xadrez das IQR, e conversámos sobre o campeonato mundial entre o Karpov e o Kasparov.

Ao cogriac, começámos a jogar xadrez sem tabuleiro. Perdi-me à trigésima terceira jogada. Começámos a falar do falecido.

- Era um bom jogador, o Schmalz. Embora tivesse começado a jogar já tarde. E podíamos confiar nele, na associação. Nunca faltou a nenhum treino, nem a nenhum torneio.

- Com que frequência treinam?

- Todas as quintas-feiras. Faz agora três semanas, foi a primeira vez que o Schmalz não apareceu. A família diz que ele se excedeu na oficina. Mas, sabe, eu acho

que ele teve o acidente vascular muito antes disso. Senão, não teria estado na oficina, mas sim no treino. Já devia estar baralhado nessa altura.

Foi como em qualquer repasto fúnebre. No começo, as vozes baixas, o luto esforçado no rosto e a dignidade inteiriçada no corpo, muito embaraço, algum tormento, e

em cada um o desejo de que tudo aquilo passe rapidamente. E, apenas uma hora depois, são apenas as roupas que distinguem este grupo de luto de um outro grupo qualquer:

nem o apetite, nem o barulho, nem ainda, com poucas excepções, a mímica e os gestos o fazem. Fiquei, contudo, um pouco pensativo. Como seria o meu enterro? Na primeira

fila da capela do cemitério, cinco ou seis vultos, entre eles o Eberhard, o Philipp e o Willy, a Babs, e talvez ainda a Rõschen e o Georg. Mas porventura ninguém

mais iria saber da minha morte e, com excepção do padre e dos quatro carregadores do caixão, nenhuma alminha me acompanharia à cova. Vi o Turbo seguir o caixão felinamente,

com um rato na boca. Tinha uma fita atada: "Para o meu querido Gerd, do Turbo".

17

Na contraluz



As cinco da tarde eu estava de novo no meu escritório, levemente tocado e mal disposto. O Fred telefonou.

- Olá, Gerhard, ainda te lembras de mim? Queria falar contigo sobre o tal trabalho. Já tens alguém?

- Já tenho alguns candidatos. Mas ainda não está nada decidido. Ainda podemos conversar. Mas tem de ser agora.

- Tudo bem.

Marquei encontro com ele no escritório. Começava a anoitecer; acendi a luz e corri as persianas.

O Fred chegou alegre e confiante. Foi desleal, mas bati-lhe logo que o vi. Na minha idade e nestas situações não posso dar-me ao luxo de agir de um modo leal. Atingi-o

no estômago e não me detive a tirar-lhe os óculos de sol antes de lhe bater na cara. As suas mãos levantaram-se e eu dei-lhe outro murro em cheio no abdómen. Quando

ele tentou responder timidamente com a direita, torci-lhe o braço atrás das costas, dei-lhe um pontapé atrás do joelho, e ele caiu no chão. Mantive-o agarrado.

- A mando de quem é que espancaste um tipo no cemitério Ehren, em Agosto passado?

- Pára, pára, estás a magoar-me, o que vem a ser isto? Não sei bem, o chefe nunca me diz nada. Eu... ai, deixa-me...

Pouco a pouco, ele disse tudo. O Fred trabalhava para o Hans, este recebia os trabalhos e ajustava as condições, não dizia nenhuns nomes ao Fred, limitava-se a descrever

a pessoa, o local e a hora. As vezes, o Fred ouvia mais alguma coisa.

- Para o rei do vinho foi uma vez, e uma vez para o sindicato e para a química... Pára com isso, sim, talvez aquele do cemitério... Pára com isso!

- E para a química mataste o tipo umas semanas mais tarde.

- És maluco ou quê? Nunca matei ninguém. Demos uns abanões ao gajo, mais nada. Pára com isso, estás a deslocar-me o braço. Juro-o.

Não consegui magoá-lo tanto que ele pensasse que era melhor confessar um assassinato do que suportar durante mais tempo a dor. Além disso, acreditei nele. Larguei-o.

- Lamento, Fred, se tive de ser tão duro contigo. Não posso sujeitar-me a que alguém que trabalhe para mim tenha um assassinato na consciência. O tipo que vocês


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