Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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Agarrei na mão dele, empurrei-a para baixo, dobrando o indicador todo para trás e olhando-o ingenuamente nos olhos.

- Quantos anos fazes, Fred? Afinal não és o homem certo para mim? Não faz mal, eu pago-te uma.

O rosto do Fred estava desfigurado num esgar de dor. Quando o larguei, hesitou durante um breve momento. Deveria atirar-se a mim ou beber uma cerveja comigo? Então

o seu olhar caiu na Judith, e eu soube o que iria acontecer.

O seu "Bem, então embora, mais uma cerveja" foi a abertura para o murro que me apanhou à esquerda, no tórax. Mas eu já tinha o meu joelho cravado entre as suas pernas.

Ele dobrou-se, as mãos nos testículos. Quando voltou a endireitar-se, o meu punho direito apanhou-o com toda a força, em cheio no nariz. Levantou rapidamente as

mãos para proteger a cara, voltou a baixá-las e olhou incrédulo para o sangue nas suas mãos. Agarrei no seu copo e despejei-o em cima da sua cabeça.

- Saúde, Fred.

Ajudith tinha-se posto de lado, os outros clientes mantinham-se desinteressados. Só a patroa se batia na linha da frente.

- Para fora! Se querem confusão, vão lá para fora! - disse ela, e começou logo a empurrar-me em direcção à saída.

- Mas, minha querida, não reparou que estamos apenas a brincar? Já fizemos as pazes, não é verdade, Fred?

O Fred limpou o sangue dos lábios. Assentiu com a cabeça e olhou em volta, procurando ajudith.

A patroa convencera-se, com um olhar rápido pela sua taberna, de que a calma e a ordem voltara outra vez.

- Bem, então vou servir-vos uns bagacinhos - disse ela, apaziguadoramente. Já tinha novamente a taberna sob controlo.

Enquanto ela se atarefava atrás do balcão e o Fred se sumia na casa de banho, ajudith veio ter comigo. Olhou-me com ar apreensivo.

- Ele era um dos dois no cemitério Ehren. Está tudo em ordem?

Falava em voz baixa.

- Embora ele me tenha partido as costelas, se daqui em diante me chamares Gerd, consigo sobreviver - respondi.

- Nesse caso poderia chamar-te simplesmente Judith.

Ela sorriu.

- Acho que estás a aproveitar-te da situação, mas não quero ser má. Imaginei-te neste preciso momento de gabardina.

- E?

- Não precisas de nenhuma - disse.



O Fred voltou da casa de banho. Vinha com um ar pesaroso treinado diante do espelho e até pediu desculpa.

- Para a tua idade, nem estás muito mal. Lamento ter passado das marcas. Sabem, na verdade não é nada simples envelhecer sem família, e sempre que faço anos isso

bate-me fundo.

Sob a capa de simpatia do Fred, ardiam a maldade e o charme manhoso cheio de segundas intenções de chulo vienense.

- As vezes perco a cabeça, Fred. Aquilo com a cerveja foi perfeitamente desnecessário. Já não posso voltar atrás - ele ainda tinha os cabelos encharcados e colados

-, mas não fiques zangado comigo. Só quando há mulheres em jogo é que me torno sacana.

- O que vamos fazer agora? - perguntou a Judith, abrindo muito os olhos com um ar inocente.

- Primeiro levamos o Fred, depois levo-te a casa - decidi.

A patroa veio em meu socorro.

- Então, Fred, que sorte, hein? Vão levar-te a casa. Podes vir buscar o teu carro amanhã cedo. Vens de táxi.

Enfiámos o Fred no meu carro. A Judith seguiu-nos. O Fred disse que vivia em Jungbusch, "na Rua Werft, mesmo ao pé da antiga esquadra da Polícia, sabes", e queria

que o deixasse logo ali na esquina. Não me interessava o sítio onde ele não vivia. Passámos a ponte para o outro lado.

- Na tua grande história, há alguma coisinha para mim? Também já trabalhei em coisas de segurança, até para uma grande fábrica daqui - disse ele.

- Podemos falar sobre isso uma outra vez. Se quiseres, posso arranjar-te trabalho. Telefona-me.

Pesquei um cartão de visita do bolso do casaco, um dos verdadeiros, e dei-lho. Deixei-o na esquina, e ele dirigiu-se com passos oscilantes para a taberna mais próxima.

Ainda tinha o carro da Judith no espelho retrovisor.

Passei pela circular e virei na torre do depósito de água para o Centro Augusta. Esperava que ela me lançasse um sinal de despedida atrás do Teatro Nacional, com

as luzes dos faróis, e que depois desaparecesse. Seguiu-me até à porta de casa, na Rua Richard Wagner, e esperou-me com o motor a trabalhar enquanto eu estacionava.

Saí do carro, fechei-o e dirigi-me a ela. Foram apenas sete passos, e neles pus tudo o que havia cultivado em superioridade masculina na minha segunda Primavera.

Inclinei-me para a sua janela, não me poupando ao reumatismo, e indiquei com a esquerda o lugar de estacionamento livre mais próximo.

- Vens lá a casa beber um chá, não é verdade?

11

Obrigada pelo chá



Enquanto eu fazia o chá, a Judith andava de um lado para o outro na cozinha e fumava. Ainda estava muito exaltada.

- Um badameco daqueles - dizia -, um badameco daqueles. E pensar que tive tanto medo dele, daquela vez no cemitério Ehren.

- Daquela vez, ele não estava sozinho. E, sabes, se eu o tivesse deixado tomar balanço, também teria tido mais medo. É um menino que já deu cabo de alguns à pancada.

Levámos o chá connosco para a sala. Recordei-me do pequeno-almoço com a Brigitte e fiquei contente por não ter essa loiça suja na minha cozinha.

- Ainda não sei se vou aceitar este teu caso. Pensa lá bem se devo assumi-lo. Já investiguei uma vez as coisas do Peter Mischkey, contra ele. Fui eu que provei a

sua culpabilidade quando ele entrou no sistema informático das IQR.

Contei-lhe tudo. Ela não me interrompeu. O seu olhar estava cheio de sofrimento e de censura.

- Não aguento a censura no teu olhar. Fiz o meu trabalho. e dele também faz parte utilizar os outros, desmascará-los, provar a sua culpabilidade, mesmo quando simpatizamos

com eles.

- Sim, e então? Porquê a grande confissão? Tenho a impressão de que pretendes a minha absolvição.

Respondi à sua expressão magoada e desaprovadora.

- Tu és minha cliente, e gosto que a relação entre mim e os meus clientes seja transparente. Podes perguntar-me por que razão não te contei esta história logo. Eu...

- Isso gostaria eu realmente de saber. Mas, na verdade, não me apetece ouvir as coisas polidas, cobardes e desleais que agora irias dizer-me. Obrigada pelo chá.

Agarrou na mala e levantou-se.

- Quanto lhe devo pelo seu trabalho? Mande-me a conta.

Também eu me levantei. No corredor, quando ela quis abrir a porta, tirei-lhe a mão da maçaneta.

- Sabes que me preocupo contigo. E o teu interesse em esclarecer o assunto do Mischkey ainda não terminou. Não te vás embora assim.

Ela havia deixado a sua mão na minha enquanto eu falava. Depois tirou-a e saiu sem dizer nada.

Fechei a porta da rua. Tirei de dentro do frigorífico o frasco das azeitonas e sentei-me na varanda. O sol brilhava, e o Turbo, que andara a vagabundear pelos telhados,

enrolou-se no meu colo a ronronar. Era apenas por causa das azeitonas; dei-lhe umas quantas. Da rua, ouvi a Judith a ligar o motor do Alfa. O motor acelerou, depois

morreu. Voltaria aqui? Uns segundos depois voltou a ligá-lo e foi-se embora.

Consegui não pensar em se me teria comportado como devia ser, e saboreei cada uma das azeitonas. Eram das pretas, gregas, que sabem a almíscar, a fumo e a terra

pesada.

Depois de uma hora sentado na varanda, fui para a cozinha e preparei a manteiga com ervas aromáticas para comer com os caracóis depois do concerto. Eram cinco horas



da tarde, telefonei à Brigitte e deixei o telefone tocar dez vezes. Enquanto passava a ferro a camisa, ouvi a Wally e antecipei com prazer a Wilhelmenia Fernandez.

Fui à cave buscar umas garrafas de mesling da Alsácia e pu-las no frigorífico.

12

A lebre e ao ouriço



O concerto foi na sala Mozart. Os nossos lugares eram na fila seis, um pouco para a esquerda, de maneira que a nossa vista da cantora não era obstruída pelo maestro.

Quando me sentei, olhei em volta. Um público agradavelmente variado: desde senhoras e senhores mais idosos, a jovens que mais depressa esperaríamos ver em concertos

rock. A Babs, a Ròschen e o Georg chegaram num estado de espírito completamente parvo; mãe e filha estavam sempre a aproximar as cabeças e riam-se à socapa, o Georg

enchia o peito e enfunava as penas. Sentei-me entre a Babs e a Ròschen, fiz festas no joelho esquerdo de uma e no direito da outra.

- Pensei que ias trazer contigo uma mulher para lhe fazeres festinhas, tio Gerd.

A Roschen pegou na minha mão com a ponta dos dedos e deixou-a cair ao lado do seu joelho. Trazia calçadas mitencs pretas, de renda. O gesto era aniquilador.

- Ai, Ròschen, Ròschen, quando eras criança e eu te salvei dos índios, contigo ao colo no meu braço esquerdo, o Coli na minha mão direita, não falavas assim comigo.

- Já não há índios, tio Gerd.

O que tinha acontecido com aquela querida menina? Olhei-a de soslaio, o penteado pós-moderno, o punho de prata com o polegar eloquente entre dedos indicador e médio

pendurado da orelha, o rosto largo que herdara da mãe, a boca um pouco pequena de mais, ainda de criança.

O maestro era um mafioso seboso de pequena estatura e grande obesidade. Inclinava diante de nós a sua cabeça ondulada e arrastava a orquestra para um potpourri orquestral

de Gianni Schicchi. Era bom, o homem. Com escassos movimentos da sua graciosa batuta, retirava como por encanto a harmonia mais suave da potente orquestra. Também

não lhe levava a mal ter colocado no timbale uma pequena e amorosíssima mulher de fraque e calças. Será que poderia esperar por ela depois do concerto, na saída

da orquestra, e propor-me ajudá-la a transportar as baquetas do timbale para casa?

Então apareceu a Wilhelmenia. Depois de Diva tornara-se um pouco mais encorpada, mas encantadora no seu vestido de noite faiscante coberto de strass. A ária mais

bela foi a Wally. O concerto terminou com ela, com ela, a Diva conquistou o público. Foi bonito ver os mais jovens e os mais velhos unidos no aplauso. Depois de

dois números extra-programa, duramente conquistados, nos quais a pequena tocadora de timbale tornou virtuosamente a fazer o meu coração bater mais forte, saímos

embalados para a noite.

- Vamos ainda a algum lado? - perguntou o Georg.

- Se quiserem, vamos para minha casa. Preparei uns caracóis e pus Riesling a Refrescar.

A Babs ficou radiante, a Ròschen amuou:

- Temos de ir a pé?

E o Georg disse:

- Eu vou a pé com o tio Gerd, vocês podem ir de carro.

O Georg é um jovem sério. Durante o caminho falou-me dos seus estudos em Direito, que iam no quinto semestre, de grandes e pequenos assuntos, e do caso de direito

penal em que estava a trabalhar. Direito Penal da Protecção do Ambiente. Parecia interessante; mas resumia-se apenas a uma camuflagem para problemas de autoria de

crimes, de suborno e cumplicidade, que poderiam ter-me dado para resolver há quarenta anos atrás. Serão os juristas assim tão desprovidos de imaginação, ou sê-lo-á

apenas a realidade?

A Babs e a Rõschen esperavam diante da porta de casa. Quando a abri, verificámos que a luz das escadas estava fundida. Subimo-las tacteando, com muitos tropeções

e muito riso, e a Rõschen teve um pouco de medo do escuro e ficou agradavelmente calada.

Foi uma noite muito simpática. Os caracóis estavam bons, assim como o vinho. A minha entrada em cena foi um estrondoso sucesso. Quando tirei o leitor de cassetes

do bolso de dentro, com o qual consigo fazer gravações bastante boas por meio de um microfone minúsculo escondido no reverso da lapela, o abri e meti a cassete no

leitor da minha aparelhagem, a Rõschen reconheceu imediatamente a referência e bateu palmas. O Georg compreendeu quando a Wally ressoou. A Babs ficou a olhar para

nós, interrogativamente.

- Mamã, tens de ir ver a Diva, quando voltarem a passar o filme.

Jogámos à lebre e ao ouriço, e à meia-noite e meia o jogo estava na sua fase decisiva e já não havia RiesUng. Agarrei na minha lanterna de bolso e fui à cave. Não

me lembro de alguma vez ter descido sem luz as compridas escadas. Mas as minhas pernas haviam memorizado o caminho ao longo dos muitos anos, de maneira que me sentia

muito seguro. Até que cheguei ao penúltimo lanço de escadas. Aqui, o arquitecto, talvez para tornar a belle étage mais representativa e mais alta, inserira, em vez

dos usuais doze, catorze degraus. Eu nunca o notara, e as minhas pernas também não haviam memorizado aquele pormenor, e depois do décimo segundo degrau dei uma grande

passada para diante em vez de uma pequena para baixo. Dobrei-me, ainda consegui agarrar-me ao corrimão, mas a dor trespassou-me as costas. Endireitei-me, dei o passo

seguinte a tactear e acendi a lanterna de bolso. Tinha apanhado um enorme susto. No penúltimo degrau, a parede diante é coberta por um espelho com moldura de estuque,

e nele, diante de mim, estava um homem que dirigia um foco de luz encandeado na minha direcção. Demorou apenas uma fracção de segundo até me reconhecer. Mas a dor

e o susto bastaram para me deixar com o coração a bater com força e o passo incerto, e entrei na cave.

Jogámos até às duas e meia da madrugada. Depois de o táxi ter vindo buscá-los, de eu ter vencido novamente a escadaria escura e de ter arrumado a loiça da cozinha,

fiquei ainda diante do telefone durante o tempo de fumar um cigarro. Apetecia-me telefonar à Brieitte. Mas a velha escola venceu.

13

Está bom?



Passei a manhã toda sem fazer nada. Deitado na cama, folheei o dossier do Mischkey e pensei novamente no motivo que o teria levado a organizá-lo, beberriquei o meu

café e ratei os pastelinhos que havia comprado no dia anterior aquando dos preparativos para domingo. Depois li no jornal Die Zeit o artigo de reflexão do Leo Sommer,

a peça comovente de Marion Gráfin Dònhoff, algo de política do nosso ex-chanceler com fama mundial, e o inevitável Gerd Bucerius. Já sabia novamente o que estava

a passar-se, e por isso já não tive de me regalar com a crítica de Reich-Ranicki sobre o livro de Wolfgang Siebeck sobre a cozinha leve dos viajantes de balão. Depois,

fui mimar o Turbo. A Brigitte ainda não atendia. A Ròschen tocou à campainha às dez e meia para vir buscar o carro. Vesti o roupão por cima do pijama e ofereci-lhe

um xerez. Hoje, o seu penteado pós-moderno estava feito em pó e cinzas.

Por fim, fartei-me do meu não fazer nada e fui de carro até à ponte entre Eppelheim e Wieblingen, onde o Mischkey encontrara a morte. Estava um solarengo dia de

começo de Outono; passei pelas aldeias, havia nevoeiro sobre o rio Nec-kar, nos campos apanhava-se batatas, apesar de ser domingo, as primeiras folhas pintavam-se

de várias cores, e subia fumo das chaminés das hospedarias.

A ponte em si não me disse nada mais do que eu já sabia do relatório da Polícia. Espreitei os carris a cerca de cinco metros abaixo de mim, e pensei no Citroen virado.

Uma automotora passou em direcção a Edingen. Atravessei para o lado oposto da estrada, olhei para baixo e reparei na antiga estação dos caminhos-de-ferro. Uma linda

construção de arenito do princípio do século, com três andares, janelas em arco redondo no primeiro andar e uma pequena torre. O restaurante da estação parecia estar

ainda a funcionar. Entrei. A sala era sombria, das dez mesas, três estavam ocupadas, do lado direito havia uma jukebox, flippers e dois jogos de vídeo, sobre o balcão

de madeira alemã antiga, restaurado, afligia-se uma palmeira de interior e, à sua sombra, a patroa. Sentei-me na mesa livre perto da janela, com vista para a plataforma

da gare e os carris, deram-me a ementa com Wienerschnitzel, Jãgerschnitzel e Zigeunerschnitzel, sempre acompanhadas com batatas, e perguntei à patroa pelo prato

do dia, plat dujour, falando como o Ostenteich. Disse que havia Sauerbraten, Klos.se e Rotkraut, Brilhe com Mark.

- Óptimo - disse eu, e pedi um Wieslocher para acompanhar.

Uma jovem trouxe-me o vinho. Aparentava ter dezasseis anos e era de uma voluptuosidade lasciva que não se ficava pela combinação de uns jeans demasiado apertados,

uma blusa demasiado justa e uns lábios demasiado vermelhos. Qualquer homem com menos de cinquenta anos se teria metido com ela. Eu, não.

- Bom proveito - disse ela, entediada.

Quando a mãe me trouxe a sopa, perguntei-lhe pelo acidente do começo de Setembro.

- Apercebeu-se de alguma coisa?

- Tem de perguntar isso ao meu marido.

- E o que diria ele?

- Bem, quando o acidente ocorreu já estávamos na cama, <• de repente ouviu-se aquele estoiro. E pouco depois um outro. Eu disse ao meu marido: "Aconteceu alguma

coisa". Ele levantou-se logo e foi buscar a pistola de alarme, porque estão sempre a arrombar-nos as máquinas. Mas não tinha acontecido nada com as máquinas, mas

sim lá em cima, na ponte. O senhor é dos jornais?

- Sou dos seguros. E depois, o seu marido chamou a Polícia?

- O meu marido ainda não sabia nada. Quando viu que não havia nada na sala de jantar, subiu e vestiu qualquer coisa. Saiu depois para os carris, mas então ouviu

a sirene da ambulância. Para quem é que valia a pena ainda telefonar?

A filha robusta e loura trouxe o Sauerbraten e ficou a ouvir atentamente. A mãe mandou-a outra vez para a cozinha.

- A sua filha não se apercebeu de nada?

Era óbvio que a mãe tinha um problema com aquela filha.

- Ela nunca se apercebe de nada. Só olha para calças, se é que percebe o que eu quero dizer. Eu não era assim, quando tinha a idade dela.

E agora era demasiado tarde. No seu olhar brilhava uma frustração esfomeada.

- Está bom?

- Como em casa da minha mãe - disse eu.

Tocaram uma campainha na cozinha e ela descolou o seu corpo da minha mesa. Apressei-me com o meu Sauerbraten e o Wieslocher.

No caminho de volta ao carro, ouvi passos apressados atrás de mim.

- Olá! Você aí!

A pequena do restaurante da estação estava sem fôlego por vir a correr.

- O senhor quer saber alguma coisa do acidente. Vale uma nota de cem?

- Depende do que tiveres para me dizer.

Ela era uma gaja dura.

- Cinquenta já, não começo a falar antes de os ter na mão. Eu queria saber o que ela tinha para me dizer e tirei duas notas de cinquenta da carteira. Dei-lhe uma

e fiz uma bolinha da outra.

- Então foi assim: na quinta-feira, o Struppi levou-me a casa no seu Manta. Quando passámos por cima da ponte, estava uma furgoneta lá parada. Fiquei admirada, o

que faria ela em cima da ponte? Depois, o Struppi e eu, bem, depois ainda fomos... E quando houve o estoiro, mandei o Struppi embora porque pensei que o meu pai

apareceria. Os meus pais têm alguma coisa contra o Struppi, porque, a bem dizer, ele está quase casado. Mas eu amo-o. Não interessa, de qualquer maneira, foi então

que eu vi a furgoneta ir-se embora.

Dei-lhe a bolinha.

- Como é que era a furgoneta?

- Tinha qualquer coisa de estranho. Nunca costumam passar por aqui. Mas não sei dizer-lhe mais nada. E tinha os faróis apagados.

A mãe espreitou pela porta do restaurante da estação.

- Queres vir agora para aqui, Dina? Deixa o homem em paz!

- Vou já.

A Dina voltou com uma lentidão provocadora. Fui levado pela compaixão e pela curiosidade a ir ver o homem a quem havia saído aquela mulher e aquela filha. Na cozinha,

dei com um homenzinho franzino e suado, manejando tachos, caçarolas e frigideiras. Provavelmente, já tinha tentado várias vezes suicidar-se com a sua pistola de

alarme.

- Não faça isso. As duas não valem isso.



Durante o caminho de regresso, procurei furgonetas que não costumavam passar por ali. Mas não vi nenhuma; também, era domingo. Se fosse verdade o que a Dina me contara,

havia sabe Deus quantas coisas mais a saber do que as que constavam do relatório da Polícia.

Quando ao fim da tarde nos encontrámos nos Badischen Weinstuben, o Philipp sabia que o grupo sanguíneo do Mis-chkey era AB. Por isso, o sangue que eu raspara do

carro não era seu. O que implicaria isto?

O Philipp comeu a morcela com apetite. Falou-me de Leb-michen com forma de coração, de transplantes de corações e da nova namorada, que tinha os pêlos púbicos cortados

em forma de coração.

14

Vamos dar um passeio



Tinha ocupado metade do domingo com um caso que já não era meu. O que, em princípio, como detective privado, não se deve fazer.

Olhei através da vidraça matizada para o Centro Augusta. Propus-me decidir o que iria fazer quando passasse o décimo carro. Era um Carocha. Arrastei-me para trás

da minha secretária para escrever o relatório final para ajudith Buchendorff. Um final tem de ter forma.

Peguei em papel e lápis e assentei os pontos principais. O que havia contra a hipótese de ter sido um acidente? Havia aquilo que ajudith me contara, havia os dois

estrondos que a mãe da Dina ouvira, e sobretudo havia o que a Dina vira. Tudo isto era suficientemente explosivo para, se continuasse a trabalhar no caso, me pôr

intensivamente à procura da furgoneta e do respectivo condutor. Teriam as IQR alguma coisa a ver com o caso? O Mischkey havia-as investigado persistentemente, qualquer

que fosse a sua intenção, e elas eram a grande fábrica para a qual o Fred trabalhara uma vez. Teria o Fred sido contratado pelas IQR para o espancamento no cemitério?

Depois havia ainda os vestígios de sangue no lado direito do cabriolé do Mischkey. Finalmente, havia alguma coisa que não batia certo, e os muitos fragmentos de

pensamentos dos últimos dias. AJudith, o Mischkey e um rival ciumento desprezado? Um outro ataque informático do Mischkey com uma resposta mortal? Um acidente com

a participação da furgoneta, com a fuga do condutor? Pensei nos dois estrondos - um acidente em que estivesse envolvido um terceiro veículo? O suicídio do Mischkey,

para quem tudo se tornara demasiado?

Demorei muito tempo até ter dado forma a tudo isto no relatório final. Quase o mesmo tempo que demorei a pensar se devia mandar a conta à Judith e o que deveria

escrever nela. Arredondei para mil marcos e apliquei-lhe o Imposto sobre o Valor Acrescentado. Quando já tinha escrito, franqueado e fechado o envelope com a carta

e a conta dentro, enfiado o meu casaco e decidido ir até ao marco do correio, sentei-me novamente e servi-me ainda de uma Sambuca com três grãos de café.

Tudo correra o pior possível. Iria ter saudades do caso que me envolvera mais do que habitualmente. Iria sentir a falta da Judith. Por que não reconhecê-lo?

Quando o envelope já estava dentro do marco, voltei ao caso Sergej Mencke. Telefonei para o Teatro Nacional e marquei um encontro com o mestre do ballet. Escrevi

uma carta dirigida às Seguradoras Unidas de Heidelberg a perguntar se se responsabilizariam pelos custos de uma viagem aos EUA. Os dois melhores amigos e colegas

do meu automutilado bailarino, o Joschka e a Hanne, haviam aceite contratos para Pitts-burgh, Pennsylvania, e já tinham partido, e eu nunca fora aos EUA. Descobri

que os pais do Sergej Mencke viviam no Lar Tauberbischof. O pai era lá guarda. A mãe disse-me ao telefone que eu podia passar lá por volta da hora do almoço. O guarda

Mencke gostava de comida caseira. Telefonei ao Philipp e perguntei-lhe se nos anais das pernas fracturadas havia algum registo de fracturas auto-infligidas e fracturas

causadas pelo fechamento de uma porta de automóvel. Ele propôs-se colocar o problema à sua aluna preferida, como tema da dissertação dela.


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