Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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de Lo-monossow e o castelo de Neuschwanstein, mas adiou para o tempo da reforma a construção da réplica do Vaticano, o seu verdadeiro sonho, mas que é demasiado,

em simultâneo com o trabalho na Polícia. Estou curioso. Segui com interesse a evolução artística do meu amigo. Nos seus trabalhos mais antigos, os paus de fósforo

são todos um pouco mais curtos. Nesse tempo, ele e a mulher separavam as cabecinhas de enxofre com uma lâmina de barbear; ele ainda não sabia que as fábricas de

fósforos também vendem fósforos sem cabeça. Com os fósforos mais longos, as construções mais recentes ficaram com um ar um pouco gótico flamejante. Como a mulher

já não tinha de o ajudar com os fósforos, começou a ler-lhe em voz alta durante o trabalho. Começou pelo Primeiro Livro de Moisés e está agora a ler O Archote, de

Karl Kraus. O comissário-chefe Nãgelsbach é um homem culto.

Telefonara-lhe de manhã e, às dez horas, quando cheguei ao seu gabinete na Polícia, fotocopiou-me o relatório.

- Desde que a Protecção de Dados existe, já nenhum de nós sabe o que pode fazer. Por isso decidi deixar de saber o que não posso fazer - disse, e deu-me o relatório.

Eram só umas poucas folhas.

- Sabe quem é que investigou o acidente?

- Foi o Hesseler. Já tinha adivinhado que iria querer falar com ele. Tem sorte, ele está cá hoje de manhã, e eu já o avisei.

O Hesseler estava sentado diante da sua máquina de escrever e dactilografava penosamente. Nunca hei-de entender por que razão não ensinam os polícias a dactilografar

como deve ser. Ou a intenção será torturar os suspeitos e as testemunhas com a contemplação do polícia dactilógrafo? É uma verdadeira tortura: o polícia trabalha

sobre a máquina de escrever desamparada e violentamente, com um ar infeliz e encarniçado, ao mesmo tempo impotente e pronto para tudo - uma mistura altamente explosiva

e inquietante. E mesmo quando não se é obrigado a fazer um determinado depoimento, é-se de qualquer maneira impedido de o alterar, uma vez feito, depois de redigido

pelo polícia, mesmo que este o tenha deturpado totalmente.

- Telefonou-nos alguém que passou pela ponte depois do acidente. O seu nome está no relatório. Quando chegámos, o médico tinha também acabado de chegar e descera

até ao automóvel acidentado. Viu logo que não havia muito a fazer. Bloqueámos a estrada e protegemos os rastros. Não havia muito que proteger. Havia um rastro de

travagem que mostra que o condutor travou e, ao mesmo tempo, guinou com o volante para a esquerda. Quanto à razão por que o fez, não existiam nenhuns indícios. Nada

apontava para o envolvimento de um outro automóvel: não havia fragmentos de vidro, nem restos de pintura, nem outras marcas de travagem, nada. Realmente, foi um

acidente estranho, mas parece que o condutor perdeu o controlo da viatura.

- Onde está o automóvel?

- Na empresa de rebocadores do Beisel, atrás da Zweifar-benhaus. O perito examinou-o, e penso que em breve vai ser transformado em sucata. Os custos de parqueamento

já são mais elevados do que aquilo que vale como sucata.

Agradeci-lhe. Passei pelo Nâgelsbach para me despedir.

- Conhece a Hedda Gabler? - perguntou-me ele.

- Como assim?

- Ouvi ontem este nome, quando me liam Karl Kraus, e eu não compreendi se ela se suicidou afogando-se, com um tiro, ou de nenhuma das duas maneiras, e se o fez no

mar ou debaixo de uma latada. Por vezes, o Karl Kraus tem uma escrita muito difícil.

- Lembro-me apenas de que ela é uma heroína do Ibsen. Peça à sua mulher que lhe leia esse livro a seguir. Não faz mal nenhum interromper o Karl Kraus.

- Vou falar com a minha mulher. Seria a primeira vez que interrompemos uma leitura.

Depois fui de carro até ao Beisel. Ele não estava, um empregado seu mostrou-me a carcaça.

- Sabe o que vai acontecer ao carro? É família?

- Penso que vai ser transformado em sucata.

O lado direito, visto por trás, parecia quase incólume. A capota tinha-se aberto e recolhido no acidente e voltara a ser armada, por causa da chuva, pela empresa

de reboques ou pelo perito; estava intacta. A parte esquerda dianteira do carro estava totalmente metida dentro e lateralmente escancarada. O eixo e o bloco do motor

haviam-se deslocado para a direita, o radiador ficara dobrado em V, o pára-brisas e os apoios da cabeça jaziam no banco de trás.

- Ah, feito em sucata. O senhor bem vê que não se salva nada do carro.

Ao dizer isto, olhou de uma maneira tão ostensiva para a aparelhagem que eu não pude deixar de reparar. Estava intacta.

- Não vou tirar-lhe a aparelhagem. Mas poderia agora examinar o carro sozinho?

Meti-lhe uma nota de dez marcos na mão e ele deixou-me.

Dei mais uma volta ao carro. Estranho, o Mischkey colara no farol direito uma cruz negra de fita adesiva. Fiquei de novo fascinado com o lado direito, que parecia

quase incólume. Foi quando olhei com mais atenção que encontrei as manchas. Não eram fáceis de ver sobre a pintura verde-garrafa, e também não eram muitas. Mas pareciam

ser de sangue, e perguntei-me como teriam ido ali parar. Teriam retirado o Mischkey do carro por aquele lado? Teria o Mischkey chegado a sangrar? Ter-se-ia alguém

ferido durante o resgate? Talvez não tivesse nenhuma importância, mas se fosse sangue interessava-me, e por isso peguei no meu canivete suíço e raspei um pouco da

pintura, no sítio onde estavam as manchas, para dentro da embalagem vazia de um rolo fotográfico. O Philipp analisaria a amostra.

Abri a capota e observei o interior. Não encontrei nenhum sangue no assento do condutor. As bolsas laterais das portas estavam vazias. No tablier estava colado um

São Cristóvão de prata. Arranquei-o - talvez a senhora Buchendorff gostasse de ficar com ele, mesmo que este não tivesse valido ao Mischkey. O auto-rádio recordou-me

aquele sábado em que seguira o Mischkey de Heidelberg até Mannheim. Ainda tinha uma cassete dentro, que eu retirei e guardei no bolso.

Não percebo muito de mecânica. Por isso prescindi de ficar ingenuamente a olhar para o motor, ou de rastejar para debaixo da carcaça. O que vira bastava-me para

imaginar a colisão entre o automóvel e a vedação e a queda na linha de caminho-de-ferro. Tirei a minha pequena Rollei do bolso do casaco e bati algumas fotografias.

No relatório que Nágelsbach me dera também as havia, mas distinguiam-se muito mal nas fotocópias.

4

Suei sozinho



De volta a Mannheim, fui primeiro ao hospital. Encontrei o gabinete do Philipp, bati à porta e entrei. Ele tentou esconder o cinzeiro com um cigarro fumegante dentro

da gaveta da secretária.

- Ah, és tu! - exclamou aliviado. - Prometi à enfermeiro-chefe que deixava de fumar. O que te traz aqui?

- Quero pedir-te um favor.

- Pede-mo durante o café, vamos à cantina.

Ao seguir apressadamente à minha frente, com uma bata branca a adejar, dizendo qualquer coisa a todas as enfermeiras bonitas, parecia o Peter Alexander no papel

de Conde Danilo. Na cantina continuou, dizendo-me algo ao ouvido sobre a enfermeira loira a três mesas de distância. Ela lançou-nos um olhar, um olhar azul de tubarão.

Gosto do Philipp, mas quando, um dia destes, um tubarão parecido fizer dele refeição, será bem merecido.

Tirei a embalagem de rolo fotográfico do bolso e coloquei-a à sua frente.

- Claro que posso mandar revelar um filme no laboratório de radiologia. Mas que andes por aí a tirar fotos que não te atreves a mandar revelar numa loja de fotografias...

Bem, Gerd, isso deixa-me siderado!

Realmente, o Philipp só tinha uma coisa na cabeça. Também se tinha passado o mesmo comigo perto dos sessenta? Tentei recordar-me. Depois dos insípidos anos de casamento

com a Klara, havia experimentado os primeiros anos de viuvez como uma segunda Primavera. Mas uma segunda Primavera cheia de romantismo - a bonvivanteriedo Philipp

era-me estranha.

- Errado, Philipp. Na embalagem está uma pequena quantidade de pó de pintura de um automóvel e mais alguma coisa, e preciso de saber se essa coisa é sangue, e, se

possível, de que grupo sanguíneo. E isto não provém de uma qualquer desfloração que mantive guardada no meu frigorífico, como já estás a pensar, mas de um caso em

que estou a trabalhar.

- Uma coisa não exclui a outra. Mas não importa, eu farei o que for necessário. É muito urgente? Queres ficar à espera?

- Não, telefono-te amanhã. A propósito, como é?, vamos outra vez beber um copo de vinho, um dia destes?

Combinámos encontrar-nos no domingo à noite no Badis-chen Weinstuben. Quando saíamos juntos da cantina, ele começou de repente a correr. Uma ajudante de enfermeira,

asiática, acabara de entrar no elevador. Ainda conseguiu lá chegar antes de as portas se fecharem.

No escritório fiz aquilo que já devia ter feito há muito tempo. Telefonei para o gabinete do Firner, troquei umas poucas palavras com a senhora Buchendorff e deixei

que me passasse ao Firner.

- Saúdo-o, senhor Selb! O que é que se passa?

- Quero agradecer-lhe a cesta que me esperava no regresso das férias.

- Ah, o senhor esteve de férias. Para onde foi?

Contei-lhe do Egeu, do iate, e que vira um barco cheio de contentores das IQR no Pireu. Quando era estudante, ele havia percorrido o Peleponeso a pé com a mochila

às costas, e agora, de vez em quando, tinha de ir à Grécia profissionalmente

- Estamos a proteger a Acrópole da erosão, um projecto da UNESCO.

- Diga-me, senhor Firner, como é que se desenvolveu o meu caso?

- Seguimos o seu conselho e desacoplámos o registo de dados de emissão do nosso sistema. Fizemos isso logo a seguir a recebermos o seu relatório, e desde então não

voltámos a ter nenhuma arrelia.

- E o que fizeram ao Mischkey?

- Há umas semanas ele esteve aqui durante um dia inteiro, e disse-nos muito sobre as ligações do sistema, os flancos a descoberto e as possibilidades de os tornarmos

seguros. Um homem muito competente, esse.

- Não comunicaram nada à Polícia?

- Não nos pareceu oportuno. Da Polícia passa para a imprensa... e não nos interessa esse tipo de publicidade.

- E os prejuízos?

- Também pensámos nisso. Se está interessado em saber, alguns dos nossos senhores começaram por achar insuportável que simplesmente deixássemos o Mischkey em liberdade

depois dos prejuízos que ele causou, da ordem dos cinco milhões de marcos. Mas, por fim, a razão económica prevaleceu sobre o ponto de vista jurídico. E também sobre

a superioridade jurídica do Oelmúller e do Ostenteich, que queriam fazer um exemplo do processo do Mischkey e levá-lo ao Tribunal Constitucional. O que não era mal

pensado: no Tribunal Constitucional deveria ser provado, com base no caso Mischkey, a que perigos as empresas estão sujeitas por causa do novo regulamento das emissões

de poluentes. Mas também isso teria trazido publicidade indesejável. Além disso, chegam rumores do Ministério da Economia, em Karlsruhe, de que não será necessária

outra diligência da nossa parte.

- Então, tudo está bem quando acaba bem.

- Isso parece cínico depois de se ter sabido que o Mischkey foi vítima de um acidente de viação. Mas o senhor tem razão, fazendo o balanço da situação, o assunto

teve um final feliz para a fábrica. Voltaremos a vê-lo aqui? Eu não fazia ideia de que o general e o senhor eram velhos amigos. Foi ele que nos disse quando, há

pouco tempo, eu e a minha mulher fomos jantar a sua casa. Conhece a casa da Rua Ludolf-Krehl?

Eu conhecia a casa do Korten em Heidelberg, uma das primeiras que havia sido construída tendo também em atenção a segurança pessoal e de bens, no final dos anos

cinquenta. Ainda me recordava de como, uma noite, o Korten me mostrara, cheio de orgulho, o pequeno teleférico que ligava a casa, no cimo de uma encosta abrupta

muito alta, sobre a estrada, ao portão da entrada. "Se a electricidade falhar, funciona com Um gerador de emergência", dissera ele então.

O Firner e eu despedimo-nos com umas quantas amabilidades. Já eram quatro horas, demasiado tarde para recuperar o almoço falhado e demasiado cedo para se jantar.

Fui até à piscina de Herschel.

A sauna estava vazia. Suei sozinho, nadei sozinho debaixo da cúpula alta com os mosaicos bizantinos, estive sozinho no banho romano-irlandês e no terraço. Enrolado

no toalhão branco, adormeci na sala de repouso sobre a minha cadeira de descanso. O Philipp andava de patins pelos compridos corredores do hospital. As colunas por

que passava eram pernas femininas bem torneadas. Por vezes, moviam-se. O Philipp afastava-se delas com um rosto risonho. Eu sorri para ele. Então, subitamente, vi

a sua cara rasgada num grito. Acordei e pensei no Mischkey.

5

Estética e Moral



Na manhã seguinte, telefonei à senhora Buchendorff.

- Gostaria de ir a casa do Mischkey e ver as coisas dele. Consegue-me isso?

- Vamos até lá os dois depois de eu sair do escritório. Quer que vá buscá-lo às quinze e trinta?

A senhora Buchendorff e eu seguimos de carro pelas aldeias até Heidelberg. Era sexta-feira, as pessoas saíam mais cedo do trabalho e arranjavam as casas, os pátios

e os jardins, o carro, e algumas até preparavam os passeios do fim-de-semana. O Outono aproximava-se. Senti o meu reumático chegar e preferiria andar de capota fechada,

mas não queria parecer velho e não disse nada. Em Wieblingen, lembrei-me da ponte de caminho-de-ferro na estrada para Eppelheim. Iria lá num dos dias seguintes.

Agora, com a senhora Buchendorff, o desvio parecia-me pouco próprio.

- Por ali vai-se para Eppelheim - ela apontou para a direita, para trás da pequena igreja. - Sinto que um dia tenho de ir ver o local, mas ainda não consigo.

Deixou o carro no sítio de estacionamento do mercado de cereais.

- Avisei que viríamos.

O Peter dividia a casa com um conhecido que trabalha na Universidade Técnica de Darmstadt.

Embora tenha uma chave, não queria simplesmente irromper pela casa adentro.

Ela não se apercebeu de que eu já conhecia o caminho para casa do Mischkey. Não tentei fazer o papel de ignorante. Ninguém respondeu à nossa campainhada, e a senhora

Bu-chendorff abriu a porta da entrada. O vestíbulo estava impregnado do ar húmido e frio da cave.

- A cave deste prédio entra dois andares dentro do monte.

O chão era de pesadas lajes de arenito. Na parede de mosaicos coloridos de Delft, encostavam-se bicicletas. As caixas do correio já tinham sido todas arrombadas

pelo menos uma vez. Janelas de vidros coloridos deixavam cair pouca luz sobre os degraus muito usados da escada.

- Que idade tem o prédio? - perguntei enquanto subíamos ao segundo andar.

- Umas centenas de anos. O Peter gostava muito dele. Já tinha vivido aqui quando era estudante.

A parte da casa que o Mischkey ocupava era constituída por duas grandes divisões contíguas.

- Não tem de ficar aqui enquanto eu dou uma vista de olhos, senhora Buchendorff. Podemos encontrar-nos no café daqui a bocado.

- Obrigada, mas eu consigo aguentar. O senhor sabe o que procura?

- Hum... - Estava a tentar orientar-me.

A primeira divisão era o escritório, com uma grande mesa à janela, piano e estantes em todas as paredes. Nas prateleiras, dossiers e pilhas de folhas impressas de

computador. Pela janela, olhei para os telhados da cidade velha e para o Monte Santo. Na segunda assoalhada estava a cama coberta por uma colcha de remendos, três

poltronas e uma mesa em forma de rim, um armário, uma televisão e uma aparelhagem, Da janela, vi à esquerda o caminho que subia para castelo, e à direita o cilindro

publicitário atrás do qual eu estivera escondido, semanas antes.

- Ele não tinha nenhum computador? - perguntei, admirado.

- Não. Tinha todos os ficheiros pessoais no computador do CRI.

Voltei-me para as prateleiras. Os livros versavam matemática, informática, electrónica e inteligência artificial, filmes e música. Ao lado, uma lindíssima edição

de Gottfried Keller e pilhas de livros de ficção científica. As lombadas dos dossiers revelavam que se tratava de contas e de impostos, certificados de garantia

e de instruções de utilização, de certificados e documentos, de viagens, do recenseamento da população e de coisas de informática difíceis de entender. Peguei no

dossier com as contas e folheei-o. No dossier das cadernetas e certificados fiquei a saber que o Mischkey tinha ganho um prémio na quarta classe. Sobre a secretária

havia uma pilha de papéis, pelos quais passei os olhos. Além da correspondência privada, de contas não pagas, de esboços de programações e de notas, encontrei um

recorte de jornal.

As IQR homenageiam o pescador mais idoso do Reno. Quando ontem saía para o trabalho, Rudi Balser, pescador do Reno que acabara de fazer 95 anos, foi surpreendido

com uma condecoração das IQR aposta pelo senhor director-geral, o Dr. Dr. h. c. Korten. "Não quis deixar de felicitar pessoalmente este grande e velho senhor da

pesca no Reno. Noventa e cinco anos e ainda fresco como um peixe no Reno." A fotografia fixa o momento em que o senhor director-geral, o Dr. Dr. h. c. Korten, cumprimenta

o agraciado e lhe oferece uma cesta...

A fotografia mostrava nitidamente a cesta em primeiro plano; era exactamente igual à que eu havia recebido. Depois encontrei a cópia de um curto artigo de jornal

de Maio de 1970.

Cientistas - trabalhadores forçados nas IQR? O Instituto para a História Contemporânea aborda um assunto controverso. O último volume da série documental dos "Cadernos

de um Quatro de Século de História Contemporânea" versa o trabalho forçado de cientistas judeus na indústria alemã, de 1940 a 1945. Segundo eles, e entre outros,

ilustres químicos judeus tinham trabalhado em condições degradantes no desenvolvimento de substâncias químicas a utilizar na guerra. O assessor de imprensa das IQR

remeteu nas fiara a planeada publicação comemorativa dos cem anos das IQR do ano de 1972, que conterá um artigo com a história da fábrica durante o Nacional-Socialismo

e, por isso, referirá também esses "procedimentos trágicos".

Por que é que este assunto teria interessado ao Mischkey?

- Pode vir aqui por um momento? - pedi à senhora Buchendorff, que estava sentada numa poltrona da outra sala, olhando pela janela.

Mostrei-lhe os artigos de jornal e perguntei-lhe se lhe faziam lembrar alguma coisa.

- Sim, nos últimos tempos o Peter estava sempre a pedir-me informações sobre as mais variadas coisas que tinham a ver com as IQR. Nunca o tinha feito antes. Em relação

ao assunto dos cientistas judeus, também tive de lhe arranjar uma fotocópia do artigo da nossa publicação comemorativa.

- Ele nunca lhe explicou a razão do seu interesse?

- Não, e eu também não o forcei a dizer coisa alguma sobre o assunto, porque nos últimos tempos era demasiado difícil conversarmos.

Encontrei a fotocópia do artigo da publicação comemorativa no dossier "Reference Chart Webs". Estava junto de impressões de computador. O /, o Qe o R tinham-me chamado

a atenção quando lançara um resignado olhar de despedida às prateleiras. O dossier estava cheio de artigos de jornais e outros, alguma correspondência, algumas brochuras

e impressões de computador. Tanto quanto conseguia perceber, todo aquele material tinha a ver com as IQR.

- Posso levar este dossier, não posso?

A senhora Buchendorff assentiu. Saímos da casa.

No caminho de regresso, pela auto-estrada, a capota estava fechada. Eu tinha o dossier sobre os joelhos e sentia-me como um estudante de liceu. A senhora Buchendorff

perguntou-me subitamente:

- O senhor foi procurador do Ministério Público, senhor Selb. Por que deixou de o ser?

Tirei um cigarro do maço e acendi-o. Quando o silêncio se havia tornado demasiado longo, disse:

- Já lhe respondo, só preciso de um momento mais.

Ultrapassámos um camião com lonas amarelas e a inscrição encarnada "Bem-estar". Um grande nome para uma empresa de transportes. Passou por nós uma motorizada barulhenta.

- Depois do fim da guerra já não me queriam lá. Eu tinha sido um nacional-socialista convicto, um membro activo do partido e um procurador do Ministério Público

implacável que também tinha exigido e conseguido obter penas de morte. Houve alguns processos espectaculares. Eu acreditava na coisa e via-me como um soldado na

frente de batalha: não podia ser mandado para a outra frente, depois do meu ferimento logo no início da guerra.

O pior tinha passado. Por que não tinha, simplesmente, contado à senhora Buchendorff a versão ligeira?

- Depois de 1945, fiquei primeiro na quinta dos meus sogros, depois no comércio de carvão, e depois comecei lentamente a trabalhar como detective privado. Para mim,

o trabalho como procurador do Ministério Público já não tinha nenhuma perspectiva. Só me conseguia ver como advogado nacional -socialista, que eu havia sido e que

não poderia continuar a ser de forma alguma. Tinha perdido a minha crença. Talvez não seja capaz de imaginar como se pode acreditar no nacional -socialismo. Mas

a senhora cresceu com um conhecimento que nós fomos adquirindo aos poucos, só depois de 1945. Pior foi para a minha mulher, que era uma bonita e loira nazi e que

continuou a sê-lo, até se tornar numa anafada alemã-do-milagre-económico.

Não queria contar mais sobre o meu casamento.

- Mais ou menos no tempo da Wãhrungsreform,, começou-se a reintegrar os meus colegas incriminados. Nessa altura, eu Também podia ter retomado à justiça Mas apercebi-me

do que os esforços de reintegração, e a reintegração em si mesma, estavam a fazer ao meus colegas. Em vez de culpa, tinham apenas a sensação de que o seu despedimento

havia sido injusto e de que a reintegração era uma espécie de compensação. Isso repugnou-me.

- Isso soa-me mais a Estética do que a Moral.

- Vejo cada vez menos diferença entre elas.

- Não consegue imaginar nada de bonito que seja imoral?

- Compreendo do que está a falar, da Riefenstahl, "O Triunfo da Vontade", etc. Mas, desde que me tornei mais velho, simplesmente já não encontro beleza nas coreografias

de massas, na arquitectura imponente do Speer e dos seus epígonos, e no relâmpago atómico dos mil sóis.

Estávamos diante da porta de casa, e eram quase sete horas da tarde. Gostaria de convidar a senhora Buchendorff para ir ao Kleinen Rosengarten. Mas não me atrevia.

- Senhora Buchendorff, quer jantar comigo no Kleinen Rosengarten}

- É muito amável, obrigada, mas não.

7

Uma mãe-cuco



Absolutamente contra o que é meu hábito, levara comigo, para o jantar, o dossier.

- Trabalhar e comer não bom. Fazer estômago mal.

O Giovanni fez um gesto, como se quisesse tirar-me o dossier. Eu agarrei-o com força.

- Nós sempre a trabalhar, nós, alemães. Nada dolce vita.

Pedi calamari com arroz. Prescindi do esparguete porque não queria sujar o dossier do Mischkey com nódoas de molho. Em compensação, salpiquei com Barbera a carta

que o Mischkey enviara com um anúncio ao Mannheimer Morgen.

Historiador da Universidade de Hamburgo procura testemunhos de trabalhadores e empregados nas IQR antes de 1948, para estudo histórico social e económico. Discrição

e reembolso de despesas. Respostas para a caixa postal nº 379628.

Encontrei onze respostas, algumas escritas à mão com uma letra tremida, outras cuidadosamente dactilografadas, que haviam reagido ao anúncio com pouco mais do que


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