Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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de parar num sinal e uma mota potente parou ao nosso lado.

- Anda, vamos ainda até ao Adria - gritou a rapariga sentada no lugar de trás, mais alto do que o barulho do motor, para dentro do capacete do rapaz.

No quente Verão de 1946, estive muitas vezes no Lago Bagagem, em cujo nome as pessoas de Manheim e de Ludwigsha-fen haviam posto a sua saudade do Sul. Nesse tempo,

eu e a minha mulher ainda éramos felizes, e eu saboreava a vida em comum, a paz e os primeiros cigarros. Então hoje em dia ainda se ia até lá, agora mais depressa

e mais facilmente, depois do cinema, um curto mergulho para dentro de água.

Não tínhamos falado durante toda a viagem. A senhora Buchendorff conduzira depressa e concentrada. Agora, acendia um cigarro.

- O Adria azul... Quando eu era pequena, dávamos às Vezes um passeio até lá com o Opel Olympia. Havia café de malte na garrafa térmica, costeletas frias, e levávamos

pudim de baunilha num recipiente de vidro. O meu irmão mais velho era aquilo que se chamava um adolescente indisciplinado; Com a sua Zúndapp Avanti já trilhava os

seus próprios caminhos. Nesse tempo começou a moda de ir lá de noite dar um mergulho rápido. Hoje em dia, quando penso nisso, parece-me tudo tão idílico... Mas em

criança sofria sempre com aquelas excursões.

Havíamos chegado diante da minha casa, mas eu ainda Queria saborear um pouco mais a nostalgia que nos invadira.

- Sofria porquê?

- O meu pai queria ensinar-me a nadar, mas não tinha paciência nenhuma. Meu Deus, quanta água não bebi eu, então.

Agradeci-lhe ter-me levado a casa.

- Foi uma bonita viagem através da noite.

- Boa noite, senhor Selb.

11

Que coisa terrível, esta!



O bom tempo despediu-se com um domingo radiante. No piquenique, na barragem de Feudenheim, eu e o meu amigo Eberhard comemos e bebemos de mais. Ele trouxera uma

caixa de madeira com três garrafas de um Bordéus bastante razoável, e cometemos o erro de, depois disso, ainda esvaziar a Spãtlese das IQR.

Na segunda-feira acordei com uma violenta dor de cabeça. Para além disso, a chuva fizera-me renascer o reumatismo nas costas e nas ancas. Talvez por essa razão eu

tenha abordado o Schneider da maneira errada. Este reaparecera por si, e não por ter sido encontrado pelos serviços de segurança da fábrica. Encontrei-o no laboratório

de um colega; o dele ardera no acidente.

Quando entrei na sala, ele ergueu-se diante do frigorífico. Era muito alto e seco. Com um vago gesto de mão, convidou-me a sentar num dos bancos de laboratório e

continuou de pé diante do frigorífico, com as costas curvadas. Tinha a face cinzenta, os dedos da mão esquerda amarelos da nicotina. A bata impecavelmente branca

pretendia esconder a decadência da pessoa. Mas o homem estava acabado. Se era um jogador, então era um daqueles que perdera e deixara de ter esperança. Um jogador

que preenche o totoloto à sexta-feira, mas que ao sábado já nem sequer se dá ao incómodo de saber se ganhou.

- Embora saiba a razão pela qual quer falar-me, senhor Belb, infelizmente não posso ajudá-lo.

- Onde estava no dia do acidente? Deve saber isso, com Certeza. E para onde foi depois?

- Infelizmente não tenho estado bem de saúde, e nos últimos dias estive indisposto. O acidente no meu laboratório alegou-me muito, foram destruídos documentos importantes

da minha investigação científica.

- Isso não responde à minha pergunta.

- O que é que pretende realmente de mim? Deixe-me em paz!

Na verdade, o que é que eu pretendia dele? Imaginá-lo Como o chantagista genial era cada vez mais difícil. Acabado como estava, nem sequer conseguia imaginá-lo como

instrumento de alguém do exterior. Mas já não era a primeira vez que a minha imaginação me enganava, e havia alguma Coisa que não batia certo com o Schneider, e

eu não tinha assim tantas pistas. Foi azar dele e meu que ele tivesse ido parar às actas tos serviços de segurança da fábrica. E ali estavam a minha ressaca e o

meu reumático e os modos amuados e lamurientos de sehneider que me enervavam. Se eu não conseguisse extorquir-lhe o que queria saber, podia desistir já da minha

profissão. Cobrei ânimo para um novo ataque.

- Senhor Schneider, trata-se da investigação de actos de sabotagem que provocaram prejuízos na ordem dos milhões, e trata-se da prevenção de novos ataques. Na minha

investigação, tenho sempre encontrado cooperação. A sua falta de vontade de me apoiar torna-o, e estou a ser muito sincero, suspeito e alinda mais porque na sua

biografia há fases de envolvimento Criminoso.

- Há anos que deixei de jogar.

Acendeu um cigarro. A sua mão tremia. Aspirou o fumo repetida e precipitadamente.

- Mas seja: estive de cama em casa, e durante o fim-de-semana costumamos desligar o telefone.

- Mas, senhor Schneider, os seguranças da fábrica foram a sua casa. Não estava ninguém.

- O senhor não acredita em mim. Então não vou dizer mais nada.

Já ouvira aquilo muitas vezes. Por vezes, ajudava convencer o outro de que acreditava nele, no que fosse que ele dissesse. Por vezes, conseguia tocar de uma tal

maneira na profunda aflição que reside nas reacções infantis, que o outro se abria e me contava tudo. Naquele dia não estava capaz nem de uma nem de outra coisa.

Não me apetecia.

- Muito bem, então temos de continuar esta conversa na presença dos agentes de segurança da fábrica e dos seus superiores. Gostaria muito de o poupar a isso. Mas

se não ouvir nada de si até ao fim da tarde de hoje... Aqui tem o meu cartão.

Não esperei pela reacção dele e saí. Fiquei parado debaixo do alpendre, olhei a chuva e acendi um cigarro. Também choveria naquele momento nas margens do Sweet Afton?

Não sabia como continuar. Depois lembrei-me de que os rapazes da segurança e da informática tinham montado a tal armadilha, e dirigi-me ao Centro de Informática

para a ver. O Oelmúller não estava lá. Um dos seus colegas, que a placa com o nome identificava como sendo o senhor Tausendmilch, mostrou-me no monitor a informação

disponibilizada aos utilizadores sobre a falsa base de dados.

- Quer que a imprima? Não me custa nada.

Peguei na folha impressa e dirigi-me ao escritório do Fir-ner. Nem ele nem a senhora Buchendorff lá estavam. Uma secretária contou-me algo sobre cactos. Eu já tinha

o suficiente por aquele dia e abandonei a fábrica.

Se fosse mais novo teria ido de carro até ao Adria e afogado a minha ressaca nadando, apesar da chuva. Se tivesse simplesmente conseguido entrar no meu carro, talvez

o tivesse feito apesar da minha idade. Mas ainda não conseguia guiar com o braço escavacado. O porteiro, o mesmo do dia do acidente, chamou um táxi para mim.

- O senhor foi quem, sexta-feira, trouxe o filho ao Schmalz. O senhor é que é o senhor Selb? Então, tenho aqui uma coisa para si.

Desapareceu, procurando alguma coisa debaixo do painel de controlo, e voltou a aparecer com um pacotinho que me deu com ar solene.

- Tem um bolo aí dentro, uma surpresa para si. Foi feito pela senhora Schmalz.

Mandei o táxi levar-me à piscina Herschel. Na sauna, era o dia das mulheres. Mandei-o então levar-me ao Kleinen Rosen-warten, o meu restaurante habitual, e comi

saltimbocca romana. Depois fui ao cinema.

A primeira sessão de cinema da tarde tem o seu encanto, independentemente do filme que é mostrado. O público é composto por vagabundos, miúdos de treze anos e intelectuais

Ilustrados. Antigamente, quando ainda os havia, eram os alunos que se deslocavam para a escola de comboio ou de auto-carro, os que iam às primeiras matinés. Os alunos

precoces também iam antigamente às primeiras matinés para namoriscar. Mas a Babs, uma amiga minha que é directora de uma Escola Secundária, assegurou-me que os alunos

agora namoriscam na escola e que à uma da tarde já acabaram de namoriscar.

Fui parar à sala errada, das sete que havia naquele cinema, e tive de ver On Golden Pond. Gostava muito de todos os actores, mas no fim fiquei contente por já não

ter mulher, nem filha, e também nenhum pequeno neto bastardo.

De regresso a casa passei pelo escritório e fiquei a saber que o Schneider se enforcara. A voz da senhora Buchendorff dizia-o com a maior objectividade no gravador

de chamadas e pedia que lhe telefonasse de imediato.

Servi-me de uma Sambuca.

- O Schneider deixou algo escrito?

Sim. lemos aqui uma carta. Pensamos que o caso está encerrado. () Firncr gostaria de o ver para lhe falar sobre isso.

Disse à senhora Buchendorff que iria imediatamente, e chamei um táxi.

O Firner estava muito bem-disposto.

- Saúdo-o, senhor Selb! Que coisa terrível, esta! Enforcou-se no laboratório, com um fio eléctrico. Foi encontrado por uma estagiária. Claro que fizemos tudo o que

era possível para o reanimar. Em vão. Leia a carta de despedida, temos o nosso homem.

Passou-me a fotocópia de uma folha escrita à pressa, aparentemente destinada à mulher.

Minha Dorle, perdoa-me. Não penses que não me amaste o suficiente. .. sem o teu amor, tê-lo-ia feito mais cedo. Agora, já não aguento mais. Eles sabem tudo e não

me deixam outro caminho. Queria fazer-te feliz e dar-te tudo... que Deus te dê uma vida mais fácil do que a destes terríveis últimos anos. Merece-lo muito. Beijo-te...

até à morte, o teu Franz.

- O senhor tem o seu homem? Mas isto deixa tudo em aberto. Falei hoje de manhã cedo com o Schneider. Era o jogo que o tinha preso nas suas garras e o precipitou

para a morte.

- O senhor é um pessimista.

O Firner ria-se na minha cara às gargalhadas, com a boca escancarada.

- Se o Korten achar que o caso está resolvido, claro que pode retirá-lo das minhas mãos quando quiser. Penso, porém, que estas suas conclusões são precipitadas.

E também não muito seriamente pensadas. Ou já mandou cancelar a sua armadilha para localização de chamadas?

O Firner não se deixou impressionar.

- Pura rotina, senhor Selb, pura rotina. Claro que vamos continuar com a tentativa de localização. Mas para já, a coisa está encerrada. Temos apenas que esclarecer

alguns pormenores, sobretudo os que dizem respeito ao modo como o Schneider conseguia manipular o sistema.

- Estou certo de que em breve voltará a telefonar-me.

- A ver vamos, senhor Selb. - E o Firner entalou os polegares no colete do seu fato de três peças e movimentou os restantes dedos ao ritmo do Yankee Doodle.

Dentro de um táxi, de regresso a casa, pensei no Schneider. Seria eu o culpado da sua morte? Ou a culpa era do Eberhard, que trouxera demasiado Bordéus, de tal maneira

que hoje eu tratara o Schneider toldado pela ressaca e de um modo rude? Ou era do cozinheiro-chefe que, com a sua ForsterBischofsgar-ten Spãtlese, nos dera a machadada

final? Ou da chuva e do reumático? Podiam percorrer-se as cadeias da culpa e da causa até ao infinito.

Nos dias seguintes, o Schneider veio-me muitas vezes à memória, vestido com a sua bata branca de laboratório. Eu não tinha muito que fazer. A Goedeke queria um novo

relatório mais pormenorizado sobre o seu infiel chefe de filial, e um outro cliente dirigiu-se a mim por causa de uma informação que os serviços públicos lhe teriam

fornecido.

Na quarta-feira, o meu braço estava quase bom e pude finalmente ir buscar o meu carro ao parque de estacionamento das IQR. O cloro atacara a pintura, teria de meter

aquilo na conta. O porteiro cumprimentou-me e perguntou-me se eu tinha gostado do bolo. Eu tinha-o esquecido na segunda-feira dentro do táxi.

12

Pensando nas corujinhas



Expus o problema das cadeias da culpa e da causa aos meus amigos durante o jogo de Doppelkopf. Umas poucas de vezes por ano, encontrávamo-nos às quartas-feiras nos

Badischen Weinstuben para jogar. Eberhard, o campeão de xadrez, Willy, o ornitólogo e emérito da Universidade de Heidelberg, Philipp, o cirurgião dos Hospitais Civis,

e eu.

O Philipp é, com cinquenta e sete anos, o nosso benjamim, o Eberhard, com setenta e dois, o nosso Nestor. O Willy é seis meses mais novo do que eu. Nunca avançamos



muito nos jogos de Doppelkopf, gostamos demasiado de falar.

Eu contei-lhes os antecedentes do Schneider, falei-lhes do seu vício do jogo e do facto de eu ter suspeitado dele, embora sem muita convicção, mas o suficiente para

o ter tratado com dureza.

- Duas horas mais tarde, o homem enforca-se, penso que não por causa da minha suspeita, mas porque previu a revelação do seu intacto vício do jogo. Serei eu o culpado

da sua morte?

- Tu é que és o jurista - disse o Philipp. - Vocês não têm nenhum critério para coisas assim?

- Juridicamente, não sou culpado. Mas a mim interessa-me o problema humano.

Os três olhavam uns para os outros sem saberem o que Dizer. O Eberhard reflectia.

- Nesse caso, eu deixo de poder ganhar ao xadrez, porque o meu adversário poderia ser tão sensível e dar uma tal importância à derrota, que se suicidasse, se perdesse.

- Bem, se souberes que a derrota é a gota que irá fazer transbordar o seu copo de depressão, nesse caso, evita-o e procura um outro adversário.

O Eberhard não ficou satisfeito com esta resposta do Philipp.

- O que devo então fazer num torneio, onde não posso escolher os meus adversários?

- Bem, pensando nas corujinhas... - continuou o Willy

- Cada vez percebo melhor por que gosto tanto das corujas. Apanham os seus ratos e pardais, dão de comer aos filhos, vivem nos seus buracos em árvores e na terra,

não precisam de nenhuma sociedade nem de nenhum Estado, são corajosas e elegantes, fiéis às suas famílias, têm uma profunda sabedoría no olhar, e ainda nunca lhes

ouvi nenhuma conversa chorosa sobre culpa e penitência. E, a propósito, se o que lhes interessa não é o ponto de vista jurídico, mas sim o humano todas as pessoas

são culpadas de tudo.

- Espera até vires parar à mercê do meu bisturi. Sem escapar a mão porque a enfermeira está a fazer-me olhinhos, todos os que aqui estão devem ser culpados disso?

O Philipp fez um gesto muito largo com a mão. O empregado interpretou-o como sendo o pedido de uma nova rodada. Trouxe uma Pils, um laufener gutedel, um vulkanfelsel

irlandês, um grogue de rum para o constipado Willy.

- Bem, de qualquer maneira terás de te haver com todos se esquartejares o Willy.

Brindei ao Willy. Ele não pôde retribuir a saúde, o seu grogue ainda estava demasiado quente.

- Não tenham medo que eu não sou parvo. Se fizesse alguma coisa ao Willy, nunca mais poderíamos jogar Doppelkopf.

- Exactamente, vamos então jogar uma nova mão - disse o Eberhard.

Mas ainda antes que se anunciassem os casamentos e os porquinhos, ele dobrou pensativamente a sua folha e pousou as cartas na mesa.

- Agora a sério, eu, como sou o mais velho, posso falar disso primeiro. O que vai ser de nós, quando um de nós... bem quando.... vocês sabem.

- Quando já só restarmos três? - O Philipp sorriu. - Então jogaremos Seat.

- Não conhecem nenhum quarto homem, alguém novo, que pudesse já ser o quinto?

- Era bom que fosse um padre, na nossa idade...

- Não temos sempre de jogar, de qualquer modo nós acabamos por não o fazer. Poderíamos simplesmente ir comer alguma coisa ou fazer algo com mulheres. Eu trago-vos

uma enfermeira para cada um, se quiserem.

- Mulheres - disse o Eberhard com desprezo, e tornou a desdobrar a sua folha.

- Mas essa de comermos é uma ideia.

O Willy pediu a ementa. Todos encomendámos. A comida estava boa, e esquecemo-nos da culpa e da morte.

No caminho de regresso a casa, notei que ganhara um maior distanciamento em relação ao suicídio do Schneider. Apenas estava curioso por saber quando é que o Firner

tornaria a dar notícias.

13

O senhor está interessado nos pormenores ?



Não é muito frequente ficar em casa durante a manhã. Não apenas porque viajo muito, mas porque não consigo evitar ir até ao escritório, mesmo quando não tenho lá

nada que fazer. Isso é uma relíquia que ficou do meu tempo como procurador do Ministério Público. Talvez também venha do facto de, em criança, nunca ter visto o

meu pai ficar uma única vez em casa num dia útil, e nesse tempo a semana de trabalho ainda era de seis dias.

Na quinta-feira não me mantive fiel aos meus princípios.

No dia anterior, o meu vídeo voltara da reparação. Tinha umas cassetes emprestadas. Embora já há muito tempo não façam, nem passem, filmes de cowboys, mantive-me

fiel a eles.

Eram dez horas. Eu metera a cassete do Heaven's Gate, um filme que eu falhara no cinema e que nunca mais iria voltar a passar e vi os finalistas de Harvard, de fraque,

a disputarem a corrida da festa de finalistas. Kris Kristofferson estava bem colocado na corrida. Nesse momento tocou o telefone. Ainda bem que o apanho, senhor

Selb. Pensava que, com este tempo, eu estaria no Adria azul, senhora Buchendorff?

Lá fora chovia a cântaros.

- Sempre o velho charmeur. Vou passá-lo ao senhor Firner.

- Saúdo-o, senhor Selb. Já pensávamos que o caso estaria resolvido, mas agora o senhor Oelmúller disse-me que voltaram a entrar no sistema. Agradecer-lhe-ia se pudesse

vir cá, de preferência ainda hoje. Tem muito que fazer?

Combinámos encontrar-nos às dezasseis horas. O Heaven's Gale demorava quase quatro horas, e não devemos vender a pele barata de mais.

No caminho para a fábrica, interroguei-me por que razão o Rris Kristofferson chorara no fim. Porque as primeiras feridas nunca cicatrizam? Ou porque cicatrizam e

um dia se transformam apenas em pálidas recordações?

O porteiro da entrada principal cumprimentou-me de mão na pala, como se eu fosse um velho conhecido. O Oelmúller manteve-se distante. O Thomas, participativo.

- Falei-lhe da armadilha que planeámos e preparámos - disse o Thomas. - E hoje morderam o isco...

- Mas o rato agarrou no engodo e fugiu com ele?

- Bem pode dizê-lo - disse o Oelmúller amargamente. - O que aconteceu foi exactamente o seguinte: ontem de manhã cedo, o nosso computador central informou-nos de

que o utilizador número 23045 ZBH entrara na base de dados-isco através do terminal PKR 137. O utilizador, o senhor Knobloch, trabalha na Contabilidade Central.

Porém, no momento da entrada na base de dados, estava numa reunião com três senhores das Finanças. E o referido terminal situa-se do outro lado da fábrica, na estação

de tratamento de águas, e ontem de manhã esteve off-line para um dos nossos técnicos lhe fazer a manutenção.

- O que o senhor Oelmúller quer dizer é que o aparelho não esteve ligado durante a manutenção - esclareceu logo o Thomas.

- Isso quer então dizer que, atrás do Knobloch e do seu número, se esconde um outro utilizador, e atrás do falso número do terminal, um outro terminal. Não contaram

com a possibilidade de o criminoso se disfarçar?

O Oelmúller respondeu prontamente à minha pergunta.

- Claro, senhor Selb. Eu pensei em tudo no fim-de-semana passado, em como, apesar disso, poderíamos apanhar o criminoso. O senhor está interessado nos pormenores?

- Tente. Se for demasiado complicado, eu digo.

- Muito bem, vou esforçar-me por ser compreensível. Nós providenciámos para que o sistema transmitisse uma determinada indicação de controlo aos terminais que estivessem

a funcionar, para meterem um pequeno interruptor na sua memória de trabalho. O utilizador não consegue detectar isso. Essa indicação de controlo seria enviada para

aqueles terminais no momento em que houvesse uma solicitação de entrada na base de dados-isco. Com isso, a nossa intenção era a de que todos os terminais que comunicassem

nesse momento com o sistema fossem mais tarde identificáveis pela posição do interruptor, e isso independentemente do número do terminal atrás do qual o criminoso

se disfarçasse.

- Posso imaginar isso como a possibilidade de identificar um carro roubado, não pela placa de matrícula falsa, mas pelo número do motor?

- Sim, mais ou menos.

O Oelmúller assentiu animadamente com a cabeça.

- E então como é que explica que, apesar de tudo isso, o outro não tenha ficado preso na armadilha?

O Thomas respondeu.

- Neste momento, não temos qualquer explicação. Se está agora a pensar num ataque vindo do exterior, este continua a ser de excluir. Ainda temos o sistema de detecção

a partir dos correios, e este não deu qualquer sinal.

Não havia explicação. E isto da parte dos especialistas.

Incomodava-me a minha dependência dos seus conhecimentos na matéria. É verdade que eu conseguia perceber aquilo que o Olmúller me explicara. Mas não podia verificar

as suas Premissas. Talvez os dois não fossem especialmente inteligentes, talvez não fosse assim um problema tão grande iludir a Armadilha. Mas o que devia eu fazer?

Iniciar-me nos computadores? Seguir as outras pistas? Que outras pistas é que havia?

estava perplexo.

- Isto tudo é muito desagradável para o senhor Oelmúller e para mim - disse o Thomas. - Tínhamos a certeza de apanhar o criminoso na armadilha e, estupidamente,

também o dissemos. O tempo urge, e, contudo, a única possibilidade que vejo é, através de um trabalho minucioso, voltar a verificar todas as nossas premissas e conclusões.

Talvez também devêssemos falar com o criador do sistema, não é verdade, senhor Oelmúller? Pode dizer-nos, senhor Selb, como tenciona proceder?

- Tenho de voltar a passar tudo em revista.

- Ficar-lhe-ia agradecido se nos mantivéssemos em contacto. Voltamos a reunir-nos na segunda-feira de manhã?

Quando já estávamos de pé e nos despedíamos, recordei-me novamente do acidente.

- Qual foi o resultado da sua investigação acerca da origem da explosão? E o alarme do smog, teve razão de ser?

- O Centro Regional de Informática teve razão em accionar o alarme do smog. Quanto à origem da explosão, já estamos adiantados a ponto de lhe poder dizer que não

tem nada a ver com o nosso sistema informático. Escusado será dizer-lhe como fiquei aliviado. Um ventilador partido... e isso é da responsabilidade do pessoal da

manutenção.

14

Tão longe daqui



Consigo reflectir muito bem ouvindo boa música. Eu tinha acabado de ligar a aparelhagem, mas ainda não pusera a tocar o Cravo bem Temperado porque primeiro fora

buscar uma cerveja à cozinha. Quando voltei, a minha vizinha do andar de baixo aumentara o volume de som do rádio e fazia-me ouvir a sua mais recente cantora preferida.

We're living in a material wvorld and I ma material girl...

Bati em vão com os pés no chão. Então, despi o roupão e enfiei o casaco e os sapatos, desci um lanço de escadas e toquei à campainha. Queria perguntar à material

girl se no seu mate-riall world não havia lugar para o respeito. Ninguém abriu a porta às minhas campainhadas, e do apartamento não ressoava nenhuma música. Pelos

vistos não estava ninguém em casa. Os outros vizinhos estavam de férias, e por cima da minha casa fica apenas a arrecadação.

Então apercebi-me de que a música vinha das minhas próprias colunas. A minha aparelhagem não tem rádio. Mexi no amplificador mas não consegui parar a música. Pus

o disco. Bach conseguia, nos forti, sobrepor-se sem esforço ao outro CRIMINOSO canal, mas nos piani tinha de ser partilhado com o locutor da Rádio do Sudoeste. Algo

parecia estar estragado na minha aparelhagem.

Talvez tivesse sido por falta de boa música que não me vieram nenhumas ideias à cabeça durante aquela noite. Imaginei um cenário em que o Oelmúller era o criminoso.


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