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Geralmente os alunos de cursos de licenciatura (futuros professores) aceitam as demonstrações
contidas
em alguns livros-textos, tendo como complemento, a exposição dos professores. Aceita-se assim,
o autoritarismo herdado da prática científica da Matemática, do qual o aluno torna-se cúmplice e reprodutor,
admitindo, então, uma verdade matemática absoluta.
Hanna (1996), declara que “
a demonstração é um elemento chave para uma imagem autoritária da
Matemática
”. Esta declaração coincide com as argumentações de Lakatos (1976) no seu
Proof and
Refutation: the logic of mathematical discovery
quando desafia o programa euclidiano.
Essas abordagens às demonstrações, quase ritualísticas, estão presentes, hegemonicamente no
dia-a-dia das salas de aula e,
por isso, são exigidas nas avaliações às quais são submetidos os alunos.
Impera a reprodução de algo que seja aceito somente se satisfazer o “modelo” conhecido. A repetição
desse esquema caracteriza os cursos universitários.
Não existem, entretanto, estudos nacionais sobre quais são os significados dos alunos em
demonstrações matemáticas por eles atribuídos. Esta ausência de trabalhos de pesquisa sobre as provas
rigorosas ou demonstrações no panorama nacional é flagrante embora, algumas sinalizações foram
apontadas no I Seminário sobre
Demonstração
, realizado na Unesp de Rio Claro, em 2002, sob o título
“
Como a demonstração é considerada em diversas áreas do conhecimento
”. Nesse contexto, investigamos
os possíveis significados dos nossos alunos.
Nesta busca
dos significados, atribuídos aos alunos da licenciatura sobre demonstração, utilizamos
alguns testes, de geometria, produzidos pela pesquisadora Hoyles
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e um questionamento sobre a própria
demonstração. No entanto, acreditamos que um levantamento histórico, sobre demonstrações se faz
necessário.
2. Pesquisa e debates
Desde Tales de Mileto (600 a.C.), quando demonstra que o diâmetro de um círculo
o divide em
duas partes iguais, não se sabia que o exemplo quase óbvio para alguns, construiria uma ciência com
tamanho rigor e complexidade. Mas, foi mesmo com Euclides (300 a.C.) que a demonstração contida no
célebre
The elements
, e toda sua abstração, formalização, axiomatização e dedução tomou forma.
Galileu Galilei (1564-1642), faz renascer o espírito dos filósofos gregos dando início à ciência
moderna com o método da experimentação e a linguagem da matemática. Mas foi somente no final do
século XIX, que alguns matemáticos, como Peano (1858-1932) e Frege (1848-1925), tiveram a intenção de
tornar as demonstrações em matemática mais rigorosas, introduzindo a linguagem formal.
Algumas obras a partir do início do século XX, como a produzida por Russell (1872-1970) e
Whitehead (1861-1947),
Principia Mathematica
, e
Der de Grundlagen Geometrie
(Fundamentos da
Geometria) em 1899, de David Hilbert (1862-1943), matemático alemão, tornaram-se obras
incompreensíveis para muitos.
Andrew Wiles, em 1995, concluiu a demonstração do Teorema de Fermat que desde o século XVII,
matemáticos do mundo todo se debruçavam a resolvê-lo. Essa demonstração utiliza uma quantidade muito
grande de teoremas e sua linguagem pode ser compreendida por pouquíssimos matemáticos.
Histórica ou não, na comunidade matemática, a prova tem hoje um papel indispensável. Muito se
tem discutido sobre a sua natureza, o seu papel nas atividades de matemática e alternativas em torno dos
métodos empregados na validação. O fato é que, a demonstração entre os estudantes é um caminho de
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Prof. Dra. Celia Hoyles é docente do Departament of Mathematical Sciences – Institute of Education - University of London.
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sofrimento a se percorrer, seja em parte porque requer coordenação de uma série de competências para
identificar suposições ou organizar argumentos lógicos,
ou ainda, porque prova sugere sempre uma
ambigüidade, seja ela uma verificação ou ainda uma explicação.
A literatura acerca de provas e demonstrações, nada ou pouco dizem a respeito sobre suas
diferenças, entretanto, é possível perceber nas salas de aula o predomínio do “mostrar” que admite o
sentido de expor à vista e também, nos remete a uma visualização, por exemplo, do desenho. Esse tipo de
“demonstração”, embora torne acessível o conteúdo de um teorema não é possível confiar sempre na
percepção visual.
A Matemática em seu campo fértil cultiva uma linguagem própria, cuja complexidade de
entendimento, por vezes parece ser impossível de compreender, inclusive dentro da própria comunidade.
O matemático inglês George Boole, em 1854,
fundamenta em sua obra
An investigation of the laws
of thought
, antiga aspiração de muitos estudiosos: a lógica simbólica. Sua idéia fundamental englobava as
proposições lógicas, representadas por símbolos bem determinados e ligadas por meio de relações, que
também eram representados por meio de sinais ou marcas.
Outros nomes vieram a contribuir para essa construção, os também ingleses Alfred N. Whitehead e
Bertrand Russell com a intenção, ou não, de não deixarem dúvida, utilizaram símbolos com significados
determinados.
Nesta seara, onde a linguagem dos símbolos e sinais se apresentam, encontram-se matemáticos
como Hilbert, que tentou traduzir a matemática por meio de sistemas formais incompreensíveis. Neste ponto
também encontramos uma concepção de Carnap (1937 apud Lakatos, 1978)
que radicaliza quando requer
que:
1. “A filosofia seja substituída pela lógica da ciência [...]”,
2. “Que a lógica da ciência nada mais seja que a sintaxe lógica da linguagem da ciência
[...]”,
3. “Que a metamatemática seja a sintaxe da linguagem matemática”.
Neste sentido ele sugere que a filosofia da matemática deva ser substituída pela metamatemática.
A metamatemática aqui empregada é descrita por Lakatos (1978), como sendo a “
abstração das teorias
matemáticas na qual são substituídas por sistemas formais
”.
Uma das mais severas críticas ao formalismo é possível encontrar na introdução da obra de
Lakatos em seu
Proofs and Refutations
. Ele considera que o formalismo dispõe de uma poderosa técnica
de sistemas de abreviações, mas é incapaz de resolver problemas que não são abordados pela abstração
matemática. Ainda para Lakatos,
“O formalismo nega o status de matemática à maioria das coisas que normalmente são
consideradas como tais e nada pode dizer sobre o seu progresso”.
É possível encontrarmos, além de Imre Lakatos, muitos outros críticos
provenientes, principalmente
da área da Educação Matemática.
Considerando a falta de pesquisas na linha de provas e demonstrações, como mostram algumas
literaturas (Lorenzato e Fiorentini, 2001), pesquisadores como Bell (1976), Tall (1989), Radford (1994),
Hanna (1997), Otte (1998), De Villiers (2001), Balacheff (1999) entre alguns dos autores pesquisados, têm
discutido em seus artigos sobre o papel e função da prova na comunidade matemática.
Bell (1976) argumenta principalmente sobre os processos que levam a aproximação dos estudantes
a provar. Segue a pesquisa
A arte da descoberta
, de Polya para que os estudantes tenham convicção de