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pureza são impossíveis, de tal forma que ou sistematizamos o semitom diferente da experiência de
Pitágoras, sendo assim todos os intervalos musicais impuros, ou criamos um intervalo assimétrico, com
semitons variando de tamanho. A percepção de tal problema é completamente análoga
ao problema dos
calendários, ou seja, ou desrespeitamos o ciclo lunar de aproximadamente 30 dias, ou criamos onze meses
de trinta dias (portanto, puros) e um mês de trinta e cinco dias (portanto assimétrico). Tal problema foi
“resolvido” com diferentes tipos de temperamentos, entre eles destaca-se o temperamento igual de Bach,
cuja música ocidental está calçada. Neste temperamento a solução utilizada
foi optar pela simetria, de tal
forma que uma quinta não corresponde exatamente a 3/2 da freqüência e uma quarta não corresponde
exatamente a 4/3 da freqüência da tônica.
Finalmente o último aspecto histórico abordado na exposição trata o som dos planetas de Kepler,
cuja idéia central consiste em analisar a velocidade do planeta em função do tempo, e a partir desta,
estabelecer uma relação proporcional com uma freqüência. Desta maneira, cada planeta poderia estar
relacionado a uma música diferente, compondo desta forma o som do universo.
2.2 Tratado de Rameau e a relação entre consonância e a série Harmônica
Após a leitura de alguns tópicos do Tratado de Rameau e dos livros: “Introdução à física e
psicofísica da música” e “Music, Physics and Engineering”(Harry F. Olson), iniciou-se a última
frente do
trabalho, que tem como principal objetivo estudar os diferentes intervalos musicais, o conceito de
consonância/dissonância e tratados de harmonia tais como o tratado de Rameau.
Sendo todos os estudos citados feitos a luz da série harmônica, faz-se necessário uma melhor
compreensão do conceito, portanto segue abaixo uma breve explicação.
Série Harmônica . Produzir um som em um instrumento musical significa colocar algum elemento
em vibração para que esta vibração seja transmitida ao ar. A freqüência ou altura do som produzido vai
depender das características do meio vibratório (uma corda, coluna de ar, etc); os sistemas físicos não vão
vibrar de uma única forma, mas sim emitindo diversas freqüências, todas múltiplas da nota fundamental.
Estas outras freqüências são os
harmônicos
ou
parciais
, e sua composição é o que vai caracterizar o
timbre
do instrumento.
Visando uma futura análise do número de harmônicos que coincidem em cada intervalo, ou seja, ao
tocarmos duas notas simultâneas todos seus harmônicos soam simultaneamente, podendo coincidir
algumas notas, este trabalho procurará analisar o número de notas que coincidem em cada intervalo
musical podendo desta forma procurar uma explicação para a consonância. Para facilitar tal análise
escrevemos uma tabela que contém a série harmônica associada a cada intervalo.
Tabela de Intervalos com cada harmônico da nota
Série
Harmônica 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
11 12 13
14
15
Tônica Dó
Dó
Sol
Dó
Mi
Sol Sib
Dó
Ré
Mi
Fá# Sol
Láb
Sib
Si
Segunda menor
Dó# Dó# Sol# Dó# Fá Sol# Si Dó# Ré# Fá Sol Sol# Lá
Si Dó
Segunda
Ré Ré Lá Ré Fá# Lá Dó Ré Mi Fá# Sol# Lá Lá# Dó Dó#
Terça Menor
Ré# Ré# Lá# Ré# Sol Lá# Dó# Ré# Fá Sol
Lá Lá# Si Dó# Ré
Terça
Mi Mi Si Mi
Sol# Si Ré Mi Fá# Sol# Lá#
Si Dó Ré
Ré#
Quarta
Justa
Fá Fá Dó Fá Lá Dó Ré# Fá Sol
Lá Si Dó Dó# Ré# Mi
Quarta Aumentada Fá# Fá# Dó# Fá# Lá# Dó# Mi Fá# Sol# Lá# Dó Dó# Ré Mi Fá
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Quinta Sol
Sol
Ré
Sol
Si
Ré
Fá
Sol
Lá
Si
Dó# Ré
Ré#
Fá
Fá#
Sexta
Menor
Sol# Sol# Ré# Sol# Dó Ré# Fá# Sol# Lá# Dó Ré Ré# Mi Fá# Sol
Sexta
Lá Lá Mi Lá Dó# Mi Sol
Lá Si Dó# Ré# Mi Fá Sol
Láb
Sétima
Menor
Lá# Lá# Fá Lá# Ré Fá Sol# Lá# Dó Ré Mi Fá Fá# Láb Lá
Sétima
Si Si Fá# Si Ré# Fá# Lá Si Dó# Ré# Fá Fá# Sol Lá Sib
Oitava Dó
Dó
Sol
Dó
Mi
Sol Sib
Dó
Ré
Mi
Fá# Sol
Láb
Sib
Si
B=Bemol
#=Sustenido
Como foi dito anteriormente, a tabela acima será utilizada para analisar os
conceitos de
consonância/dissonância, porém para fazer uma análise consistente faz-se necessário uma explicação de
tais conceitos. A consonância é definida hoje como sendo um som que causa uma sensação de repouso,
em função de uma fusão entre as notas. Existem três tipos de consonância: a consonância perfeita (quinta e
oitava), consonância mista (quarta justa) e consonância imperfeita (terças (maior e menor) e sextas (maior e
menor)). O restante dos intervalos musicais é considerado dissonante (movimento das notas não se
fundem).
Resumindo, consonância e dissonância são sensações subjetivas associadas a dois ou mais sons
soando simultaneamente, todavia a música tonal indica que o sistema auditivo humano possui um senso
para certos intervalos especiais de freqüência – a oitava, a quinta, a quarta etc. O mais significativo é que
estes intervalos são avaliados quase na mesma ordem em que eles aparecem na série harmônica.
Analisando a tabela podemos perceber que quando dois sons complexos soam em uníssono ou em
oitavas perfeitamente afinadas, todos os harmônicos de uma nota casarão com os da outra,
o que pode ser
uma explicação para a oitava ser uma consonância perfeita. Quanto a quinta, podemos constatar que todos
os harmônicos ímpares da quinta têm freqüências situadas entre os harmônicos da tônica; apenas os
harmônicos pares coincidem. Em particular, o terceiro harmônico da quinta, com freqüência (9/2) f1
encontra-se “perigosamente próximo” às freqüências do quarto e quinto harmônicos da tônica vão se
superpor, e portanto surgirão batimentos , ou “asperezas”, mesmo que o intervalo de freqüências
fundamentais esteja perfeitamente afinado. Dando continuidade a análise
da tabela, podemos verificar que
para outros intervalos como quartas, terças e sextas, a proporção de harmônicos que “colidem” aumenta
rapidamente e vai descendo na ordem dos harmônicos. Esta pode ser uma possível explicação
para a
causa da consonância e dissonância.
Espera-se que com a continuidade da leitura do tratado de Rameau e de outros tratados que
analisam a música com enfoque científico, possam surgir outras explicações para a consonância.
2.2.1 Tratado de Rameau - Livro 1
O Tratado de Rameau é dividido em quatro livros, sendo estes: Livro 1 – “Sobre a relação entre
razões harmônicas e proporções”--, Livro 2 – “Sobre a natureza e as propriedades dos acordes e sobre
tudo o que possa ser usado para tornar a música perfeita”--, Livro 3 – “Princípios de Composição”-- e Livro 4
– “Princípios de acompanhamento”--.
Rameau estava ciente do movimento transformador da acústica musical no século XVII e isso se
traduz em seu tratado que além de possuir um tratamento matemático
do som como os tratados
tradicionais, apresenta regras e procedimentos musicais inovadores quando comparado com os tratados de
sua época.