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A RELAÇÃO MATEMÁTICA E MÚSICA NO RENASCIMENTO:
UMA ABORDAGEM PARA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
Luis
Antonio Gagliardi Prado
IME-USP
luisgagliardi@terra.com.br
Orientador: Oscar João Abdounur
IME-USP
abdounur@ime.usp.br
Resumo:
A relação entre a matemática e a música remonta ao período arcaico. A grande importância da
música na Grécia era representada na própria organização curricular, onde a música ocupava lugar de
destaque. Pitágoras foi um grande representante da relação entre a música e matemática na época. A
construção da escala musical pitagórica e sua relação com as razões perfeitas entre números naturais
deixaram um grande legado que constituiu a base teórica de toda a música medieval. Durante o
Renascimento ocorre uma retomada do pensamento racional onde o conhecimento clássico é revisitado e
reorganizado pelo homem. Há uma contestação à razão pitagórica nos intervalos musicais.
Vincenzo Galilei
se opõe à maneira que Pitágoras relacionou os intervalos musicais através de razões de números naturais.
Dá-se então, uma revolução sobre as idéias científicas que influenciaram tanto a matemática quanto a
música. Este projeto tem por objetivo pesquisar e analisar a mudança de enfoque da ciência e
particularmente da matemática e da música à luz dos conceitos epistemológicos de Bachelard. Tem ainda
como objetivo organizar e selecionar alguns conceitos intrínsecos entre a matemática e a música que
possam servir de divulgação científica e estímulo para o desenvolvimento de projetos transdisciplinares
para o Ensino Médio.
Introdução
Tomando-se o século XVII como foco, percebemos que é um período de grande produção científica,
que passa por uma mudança radical do pensamento. Durante o Renascimento há
uma dualidade entre a
ciência especulativa e a ciência experimental. Galileu Galilei coloca a Física dentro de um enfoque
experimental e prático. Vincenzo Galilei passa a ver a música através de princípios físicos. Segundo um
enfoque científico-filosófico, a concepção pitagórica se vê ameaçada.
Do ponto de vista de Bachelard, podemos interpretar que nessa época há uma descontinuidade,
uma ruptura com princípios absolutos. O conceito bachelardiano de
obstáculo epistemológico
torna-se muito
apropriado na tentativa de compreender o processo pelo qual a relação música e matemática é submetida.
O desenvolvimento da ciência no século XVII deu um salto com a Revolução Científica.
Grandes
expoentes protagonizaram tal progresso. Entre eles, destacam-se Galileu Galilei, Vincenzo Galilei, René
Descartes, Johannes Kepler, Christian Huygens e Marin Mersenne.
Trabalho
Esse trabalho teve como principal período histórico
de enfoque o Renascimento, porém
conforme a necessidade, períodos anteriores foram buscados com o intuito de compreender a seqüência
histórica. Embora o trabalho trate principalmente do Renascimento, grandes cientistas da Antiguidade
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não poderiam deixar de ser estudados como por exemplo Pitágoras, Arquitas e Aristoxeno.
Entretanto é com o advento do Renascimento que ocorre uma retomada do pensamento racional
que preparou terreno para a Revolução Científica do século XVII. Foi justamente nesse período que
Vincenzo Galilei se opôs à maneira pela qual Pitágoras havia relacionado os intervalos musicais através
de razões de números naturais. Deu-se então, uma revolução sobre as idéias científicas que
influenciaram tanto a matemática quanto a música. Segundo Pitágoras, os sons consonantes comuns
podiam ser perfeitamente representados matematicamente. O mais preciso parecia ser mais agradável
ao ouvido. A explicação de Pitágoras para esse fato era a de que tudo no mundo se resumia a números
e, portanto não era de se estranhar que a precisão matemática nos fosse agradável.
Mais
tarde Gioseffo Zarlino, no seu livro “Istitutioni Harmoniche” (1558) trata sons dissonantes
como exceções para exprimir sentimentos particulares ou para preparar um desfecho consonante.
Zarlino inseriu sextas e terças maiores e menores às consonantes pitagóricas (tônica, oitava, quinta e
quarta).
Mesmo que Zarlino tenha dado uma nova visão para os intervalos, ela estaria ainda longe de
responder as questões relacionadas com a consonância. De fato os próprios intervalos teriam
que ser
revistos e ajustados para que a polifonia pudesse se estabelecer completamente. Foi talvez a tentativa
de utilização de várias vozes na música que reforçou a necessidade de se procurar uma visão menos
especulativa e mais experimental da matemática e, portanto compreender os mecanismos pelos quais o
sons pudessem ser combinados de maneira harmônica. Esse momento histórico que antecede ao
temperamento musical pode ser visto como um obstáculo epistemológico bachelardiano.
A noção de obstáculo epistemológico é fundamental para a compreensão do processo pelo qual
a música passou durante a revolução científica e que culminaria no
advento do temperamento, que por
sua vez tornou possível o uso consistente da polifonia. A dificuldade de romper com a conveniente visão
pitagórica de intervalos musicais representados por razões de números naturais era tão grande que até
mesmo Kepler continuou buscando por muito tempo uma relação entre as órbitas dos planetas com
razões entre números inteiros que estaria ainda relacionada com a criação da música das esferas.
Parece até que Kepler tentou “forçar” para que as razões procuradas fossem de fato as relacionadas
com os números pitagóricos 1, 2, 3 e 4. Isso mostra a enorme presença da tradição pitagórica e a
resistência que ainda existia em desconsiderá-la.
Uma explicação bachelardiana para a dificuldade de chegar-se ao temperamento seria de que o
ato de conhecer dá-se contra um conhecimento
anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, e
ainda o pensamento empírico torna-se claro depois, quando o conjunto de argumentos fica estabelecido
(Bachelard, 1986). De fato, nessa época o enfoque para a compreensão de fenômenos de todos os tipos
era essencialmente experimental, caracterizado por uma tentativa de matematizar e estabelecer leis
físicas que explicassem os diversos fenômenos. Provavelmente foi esse cenário epistemológico que
proporcionou condições para que finalmente se pudesse superar o obstáculo epistemológico do “tudo é
numero (inteiro) e harmonia” dos pitagóricos para dar um grande passo adiante onde a experimentação
faria parte quase que constante no desenvolvimento de novos saberes científicos.
Segundo Bergson (Bachelard, 1986) “Nosso espírito tem a tendência irresistível de considerar
como mais clara a idéia que costuma utilizar com freqüência”.